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Quem cedo trabalha, a infância atrapalha

  • Foto do escritor: CAMILA RODRIGUES CUNHA
    CAMILA RODRIGUES CUNHA
  • há 1 dia
  • 5 min de leitura

Dados apontam o crescimento de 34 mil pessoas em situação de trabalho infantil ilegal no Brasil. O programa Jovem Aprendiz é alternativa de inserção no mercado para os maiores de 14 anos.


Ana Zanutto, Mariana Facirolli, Sofia Lucena e Rui Netto

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Crédito da foto capa: Tiago Queiroz


Gabriel Almeida*, hoje com 25 anos, trabalha como professor de rima em um projeto socioeducativo, mas sua jornada no mercado de trabalho não é recente. Nascido em Várzea Grande (MT), foi criado entre muitos irmãos por um pai que trabalhou em diversos serviços, como construção civil, segurança nos terminais da cidade e pintor, e por isso não tinha com quem deixar seus filhos.

Aos oito anos, Gabriel e seus irmãos já acompanhavam seu pai no trabalho, uma de suas primeiras experiências foi ajudar na construção de uma escola no bairro em que morava e quando o pai trabalhava como segurança, às vezes, ficava a noite toda com ele. A partir de seus 12 anos, começou a fazer pequenos trabalhos remunerados, não apenas por escolha, mas principalmente por necessidade, para que pudesse ajudar sua família financeiramente. “Eu tinha a sensação de estar ajudando na casa porque no ambiente familiar existiam certas brigas, é uma questão muito delicada, quando você tem mais filhos do que pais, no caso da minha família era isso, tinha mais filhos do que pais para cuidar da gente e a situação financeira não era boa”.

Já na adolescência, trabalhou como jovem aprendiz e teve muitas dificuldades em conciliar seu tempo entre estudos e trabalho. A rotina era exaustiva, a distância era um fator dificultante, mas o desemprego não era uma opção. Ele sempre amou esportes e tinha o desejo de levar essa paixão adiante, mas nunca conseguiu por sempre estar ocupado. Sua rotina consistia em chegar em casa do trabalho tarde da noite e ir para a escola as 5h30 da manhã a pé, andando por dois quilômetros todos os dias.

Gabriel hoje não acredita que obteve muito aprendizado nessa época e não conseguiu guardar nada do dinheiro que ganhou para si. Porém, reconhece a sensação de estar ajudando em casa. “Um dos pontos positivos foi que eu não morri de fome quando era criança”.

Atualmente, o professor lida com crianças que tem realidades parecidas com a que viveu. Ele observa que muitas delas não conseguem conciliar trabalho e escola e não absorvem o que aprendem nas aulas, nota também que a maioria não recebe ajuda familiar. “É muito difícil você falar sobre sua vivência ou se apoiar em uma pessoa que não passou por uma situação parecida, eu acho que quando você é professor, principalmente num lugar como o que eu dou aula, ter determinados tipos de vivências ajuda muito, não que elas sejam boas, mas elas são bem utilizadas”.


O trabalho realizado por crianças e adolescentes, como Gabriel, ainda é uma realidade no país e ocorre por diversas motivações, como pressão familiar, necessidade financeira e desejo de independência ou de aprendizado, isso depende e varia de acordo com cada contexto social. Segundo balanço feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em junho de 2025, mais de 6,3 mil crianças e adolescentes foram retiradas do trabalho infantil por meio de ações de fiscalização, entre 2023 e o ano da pesquisa.



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Crédito da foto: Ana Zanutto



A psicóloga infanto-juvenil Marisa Battaglini entende o trabalho na infância e adolescência como um fator de sobrecarga tanto física quanto emocional, que pode causar estresse crônico e aceleração indevida da vida adulta. A falta de lazer, por exemplo, afeta não apenas o aprendizado educacional, mas social e emocional, isso pode acarretar diversos transtornos psicológicos, como ansiedade e depressão. “O psicológico de crianças e adolescentes não está desenvolvido o suficiente para lidar com as pressões e responsabilidades inerentes ao mundo do trabalho”.

Ainda que a opinião profissional seja contrária a inserção da criança no mercado, no último censo registrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em setembro de 2025, o país ainda possuía 1,650 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil em 2024, aumento de 34 mil jovens comparado ao ano anterior. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é proibido qualquer trabalho a menores de 16 anos de idade, com exceção do jovem aprendiz, conforme diz o governo.






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Jovem Aprendiz



Os dados demonstram a importância da Lei do Jovem Aprendiz (10.097/2000), que define sobre a contratação de jovens entre 14 e 24 anos em programas de aprendizagem profissional. Os aprendizes devem ter os direitos trabalhistas, como salário-mínimo e décimo terceiro, e garantia na frequência escolar.



Margareth de Souza trabalha na área de Recursos Humanos em uma cooperativa de crédito que adere o sistema de jovem aprendiz. No programa, o acompanhamento dos jovens colaboradores é obrigatório e a equipe proporciona recursos como ajuda psicológica, vale alimentação e plano de saúde, além de respeitar a rotina escolar. Assim, viabiliza futuras contratações. Apesar do suporte, a especialista reconhece as dificuldades dos estudantes-trabalhadores. “Me sensibilizo com eles, sei de suas rotinas puxadas e percebo que a grande maioria vem de escolas públicas e de famílias de classe média e baixa, por isso tem que ajudar em casa também”.



Aos 16 anos, Jonas e Joel são irmãos gêmeos e trabalham como jovens aprendizes na área de ciência de dados, eles ganharam a oportunidade através de um curso oferecido por sua escola pública, e divergem de opiniões em relação à visão de seu trabalho. Ambos concordam em ser uma experiência de aprendizado, porém discordam em como isso afeta sua vida escolar. Joel, por aprender a cuidar do seu dinheiro, teve a oportunidade de comprar um celular e ajudar seus pais em casa. E apesar de ter dificuldade na escola, não acredita que seja devido seu trabalho. Já Jonas, por chegar cansado em casa, não tem disposição para estudar, o que afeta seu desempenho escolar. “Eu não estudo, só dou uma revisada um pouco antes da prova, quando chego em casa não quero saber de nada, quero só saber da minha cama”.



Outra perspectiva do trabalho infanto-juvenil é a da estudante Nathally Leite de 18 anos, que começou a trabalhar aos 12 anos de idade na loja de roupas de sua família por incentivo de seus pais, para que pudesse adquirir experiências reais dentro do mercado de trabalho. A jovem se sente grata pela oportunidade oferecida por seus pais “Acredito que isso sempre me ajudou, minha família é 100% unida, então nunca foi algo forçado, mas sim combinado entre todos”. A confiança de seus responsáveis fez com que suas funções e responsabilidades dentro da loja aumentasse com o passar dos anos.



Atualmente, trabalha no local quatro vezes por semana nos contraturnos de suas aulas na faculdade de Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Dentre seus diversos encargos, gerenciar o marketing da empresa se tornou seu favorito e foi o que a encaminhou em busca de sua graduação na área. No entanto, a realidade de Nathally não se enquadra em todos os contextos sociais brasileiros, tendo em vista que não trabalhou por necessidade ou obrigação. As diferentes experiências de trabalho infanto-juvenil demostram as disparidades financeiras do Brasil e a vulnerabilidade de milhões de crianças e adolescentes que não tiveram a mesma oportunidade de escolha.





*O nome da fonte foi alterado para proteger sua identidade


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