Demarcação política
- lauras05
- há 1 dia
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A baixa representatividade dos povos originários na política de Mato Grosso do Sul
Guilherme Willian, Hyan Rodrigues, Kamilly Fernandes e Letícia Nantes
Em abril de 2025, um gesto simbólico ganhou força em Campo Grande: a retomada do Conselho Estadual dos Direitos dos Povos Originários (CEDPO), após quinze anos de inatividade. O ato, promovido pelo governo de Mato Grosso do Sul, além de representar mais do que uma reativação institucional, também foi marcado como uma tentativa de reconstruir um espaço histórico de diálogo e participação dos povos originários nas decisões públicas do estado.
O Mato Grosso do Sul abriga hoje uma das maiores populações indígenas do Brasil, com mais de 116 mil pessoas distribuídas em diferentes regiões, de acordo com os dados do Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O território é lar de oito etnias oficialmente reconhecidas, entre elas: Guarani Kaiowá, Terena, Kadiwéu, Guató, Kinikinau e Atikum. Apesar dessa expressiva presença, a representação política indígena ainda enfrenta desafios para ocupar de forma efetiva os espaços de poder.
Nos últimos anos, o estado tem assistido ao fortalecimento de movimentos políticos indígenas em diferentes municípios, especialmente nas regiões de Dourados, Amambai e Miranda. Nessas localidades, vereadores e lideranças comunitárias têm atuado na defesa de pautas ligadas à demarcação de terras, à saúde e à preservação cultural. Essa presença, ainda que limitada, tem contribuído para aproximar as comunidades originárias do debate institucional e ampliar a visibilidade de suas demandas.
Conflitos territoriais
Em um território marcado por conflitos fundiários e por décadas de políticas excludentes, a construção de representação política indígena é também uma forma de reparação histórica. Desde a “Marcha para o Oeste”, que nos anos 1940 impulsionou o avanço da agropecuária sobre terras tradicionais, as populações originárias enfrentam um processo constante de deslocamento e resistência.
A forte influência do agronegócio na economia e política do estado se mostra um obstáculo à população indígena em razão dos conflitos quanto à demarcação de territórios, que vêm se intensificando ao longo dos anos. No dia 16 de outubro, a tropa de choque da Polícia Militar (PM) escoltou tratores de fazendeiros e fez o uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra indígenas na área de Guyraroká, no município de Caarapó.
“O nosso estado é um dos estados que mais tem o ‘agro’, a realidade é essa. Mas há uma questão mais profunda também, de que as leis brasileiras não foram feitas para os indígenas. Em nenhum momento chamaram a gente e falaram ‘isso aqui está de acordo com a realidade de vocês?’ Nunca foi. A gente teve que se adaptar para isso, porque senão ficaríamos para trás em todas as áreas”, afirmou Elen Freitas, da aldeia Porto Limpo, Guarani.
Os direitos políticos passivos
No Brasil, os direitos políticos dos cidadãos são assegurados pela Constituição de 1988, e podem ser divididos em: direitos políticos ativos (direito de exercer o voto) e direitos políticos passivos (direito de ser votado). Levando em consideração os direitos passivos, os pesquisadores Guilherme Almeida Pereira e Cássio Knapp publicaram o artigo científico Participação da População Indígena Sul-Mato-Grossense nos direitos políticos passivos, onde investigaram o tema em questão.
Diante dos resultados da própria pesquisa, Pereira e Knapp afirmam no artigo que “não há efetiva participação indígena nos direitos políticos passivos, motivada principalmente por questões econômicas, culturais e falta de identidade dos partidos políticos na defesa da causa indígena”.
Quanto às principais causas dessa baixa efetividade, os pesquisadores apontam a discriminação, a falta de interesse por parte dos partidos políticos em lançar candidaturas indígenas, o alto custo das campanhas eleitorais (em oposição a realidade socioeconômica dessa população) e a forma distinta de organização social destes povos, que muitas vezes não dialoga com a organização político-partidária exigida para as candidaturas.
Apesar disso, o número de indígenas eleitos no Mato Grosso do Sul cresceu nos últimos anos com 16 indígenas eleitos para a Câmara de Vereadores, distribuídos em 12 municípios, no ano de 2024, o que representa um aumento de 45% em relação às eleições de 2020.
Confira abaixo a lista dos 16 vereadores eleitos:
● Fred Terena (PT) – Aquidauana, com 741 votos
● Éder Alcântara (PSDB) – Dois Irmãos do Buriti, com 527 votos (mais votado do município)
● Gringo Terena (PP) – Sidrolandia , 530 votos
● Sérgio Terena (PT) – Nioaque , com 335 votos
● Evair Terena (PT) – Miranda, com 425 votos
● Cacique Ed Antônio (PT) – Miranda, com 491 votos
● Carla Mayara (PT) – Porto Murtinho, com 175 votos
● Inaye Lopes Kaiowá (PSDB) – Antônio João, com 304 votos
● Cleber Guarani (MDB) – Paranhos, com 272 votos
● Ubaldo Kaiowá (PSDB) – Paranhos, com 333 votos
● Jaclison Guarani (PSD) – Japorã, com 141 votos
● Dorival Guarani (PSD) – Japorã, com 206 votos
● Joanir Kaiowá (PT) – Amambai, com 336 votos
● Marcelo Kaiowá (PSDB) – Douradina, com 203 votos
● Ivan Kaiowá (PSDB) – Tacuru, com 429 votos
● Gordo Guarani (PP) – Tacuru, com 334 votos
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS).
Vozes indígenas
Tais dificuldades têm gerado um grande descontentamento entre a população indígena, que se mostra insatisfeita com sua exclusão da política. Altair Fermino Mamedes, mais conhecido como vereador Menoty da cidade de Dois Irmãos do Buriti, afirma que o número de vereadores eleitos é muito inferior ao que seria considerado ideal por ele, que aponta a interferência de não indígenas dentro da comunidade e falta de recursos financeiros como os principais empecilhos para o lançamento de candidaturas indígenas no Mato Grosso do Sul.

Para Edinelsa Costa, representante da Rede Acadêmica Indígena da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), afirma que um dos motivos desse afastamento de cargos públicos é a própria abordagem mal intencionada dos partidos políticos para com seu povo: “Eles sabem que a maioria das lideranças são antigas, do tempo que não havia tecnologia, que não tinham formação acadêmica como temos hoje. Eles vão atrás dessas pessoas que não tem tanta informação, porque é mais fácil de manipular, de fazer o que eles quiserem dentro disso.” Elen Freitas, acrescenta que, entre o povo indígena, existe um cuidado acerca das pessoas que adentram os territórios: “Geralmente a maioria entra com a intenção de querer manipular, principalmente as questões de territorialidade, a demarcação de terras, que está acontecendo muito agora.”
As representantes indígenas destacam que não há apoio por parte do governo e o estado de Mato Grosso do Sul só se posiciona quando a questão da demarcação de terra é marcada por situações de violência e é de conhecimento público. “Geralmente só vai para a mídia quando adolescente ou idosos morrem, chega a uma fatalidade para aí sim, eles se posicionarem e o governo fazer alguma coisa. Mas nem sempre é eficaz”, relata Freitas, que reside em uma das aldeias que estão em conflito.
De acordo com Edinelsa, é difícil aumentar o número de indígenas eleitos para cumprir mandatos eletivos, pois os povos destas comunidades se deixam levar pelas promessas e conversas dos políticos. Acabam votando em candidatos de fora e não nos próprios representantes. Mesmo com as próximas eleições se aproximando, as jovens acreditam que pode não haver um aumento no número de candidatos indígenas eleitos, ou que haja a possibilidade de algum indígena ser reeleito, já que o agronegócio se constitui numa força econômica de Mato Grosso do Sul e possui um expressivo número de representantes. “Eles têm grana, isso é triste, mas é verdade. Eles tem como comprar os votos e tem poder político”, confessa ela.
Dessa forma, cada vez mais deputados de direita, vinculados ao agronegócio, são eleitos. Segundo Elen, isso não é motivo para o povo se intimidar ou se acovardar, ou deixar de lutar pelos seus direitos. “A gente busca introduzir mais indígenas nas faculdades, para que assim eles levem daqui a educação para as aldeias e ensinem o povo de lá”.







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