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ABANDONO: Quando a vida exige mais

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Os desafios de quem precisa abandonar o emprego


Beatriz Saltão Pedroso e Roberta Martins de Freitas


Se você pesquisar por “abandono de emprego”, encontrará algo como: “é considerado abandono de emprego quando o trabalhador não comparece ao serviço por mais de trinta dias, sem nenhuma justificativa”. Este tipo de abandono caracteriza falta grave e pode levar à demissão por justa causa.

Porém, falamos de outro tipo de abandono, aquele em que a pessoa é forçada a deixar o mercado de trabalho por motivos alheios à sua vontade. O que realmente leva alguém a abandonar sua fonte de sustento e realização profissional?


O abandono do emprego é uma decisão carregada de complexidades, especialmente para mães que precisam cuidar de crianças com necessidades especiais. Essas crianças, que nascem com condições que exigem cuidados constantes e especializados, colocam suas mães diante de uma rotina extenuante de consultas médicas, acompanhamentos psicológicos e diversas terapias. Diante de tal realidade, muitas mães se veem incapazes de conciliar a jornada de trabalho com a dedicação necessária para o cuidado de seus filhos.

 

Para muitas dessas mães, abandonar o emprego se torna uma necessidade. De acordo com a psicóloga Ana Raiele Araújo, as empresas, infelizmente, ainda não oferecem, em sua maioria, horários flexíveis ou a possibilidade de trabalho remoto, o que exige a presença total das funcionárias. Essa rigidez dificulta o cuidado contínuo com as crianças. “Muitas vezes, essas mães precisam de atendimentos de políticas públicas e, se faltam com a criança, já perdem a vez na fila, gerando um transtorno que as leva a abandonar o emprego”.


Uma pesquisa do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da USP, mostra um cenário alarmante: em 2022, cerca de 6,8 milhões de mulheres negras e 4,3 milhões de mulheres brancas deixaram a força de trabalho no Brasil para cuidar dos filhos e da casa, apesar de desejarem continuar ativas no mercado. Dados da Pesquisa dos Profissionais da Catho de 2018, empresa de Recursos Humanos, reforçam essa desigualdade: entre mais de 2,3 mil respondentes, 30% das mulheres afirmaram ter abandonado suas carreiras para se dedicarem aos filhos, enquanto apenas 7% dos homens relataram ter feito o mesmo.


Entre essas mulheres está Gisele Mendonza, de 37 anos, cuja história reflete uma realidade ainda mais complexa. A ex-manicure precisa cuidar de seu filho pequeno, diagnosticado com microcefalia e catarata congênita.

Carlos Augusto, carinhosamente conhecido como Carlinhos, entrou neste mundo pesando apenas 650 gramas e com apenas 26 semanas de gestação — bem distante das 37 a 42 semanas esperadas para um bebê a termo. Após o seu diagnóstico, Carlinhos já passou por inúmeras cirurgias e tratamentos para enfrentar suas condições.

A perda da visão do olho esquerdo foi uma situação muito difícil de encarar. Recentemente ele precisou de uma cirurgia no olho direito, cujo custo, após a cobertura parcial do plano de saúde, foi de R$ 4.500. Além disso, Carlinhos precisa de uma órtese para o pé, avaliada em cerca de R$ 2.000, e de um colete para escoliose, que necessitam de substituição frequente.

Para Gisele, mãe de Carlinhos, cada novo diagnóstico traz um impacto emocional e físico avassalador. “Quando ele perdeu a visão, foi um mundo novo para mim”, desabafa. Carlinhos participa de diversas terapias essenciais para seu desenvolvimento, que incluem estimulação visual, fisioterapia motora e respiratória e fonoaudiologia para linguagem e deglutição, devido às dificuldades alimentares adquiridas durante os longos períodos de internação.

A alimentação é outro obstáculo, visto que Carlinhos depende de um leite especial que custa R$ 150 cada lata, suficiente para apenas um dia e meio. Para cobrir esses custos, Gisele se desdobra em rifas, campanhas e almoços beneficentes. “O apoio da comunidade é fundamental. Faço campanhas para as cirurgias e tratamentos porque não posso depender exclusivamente do SUS”, explica Gisele. As arrecadações são fundamentais para manter as diversas terapias e tratamentos especializados que Carlinhos necessita. A compra de leite, equipamentos e sessões de fonoaudiologia, essenciais para ajudá-lo a comer, são custeadas com a solidariedade de muitos.


Quando a saúde força o abandono do emprego


Em muitos casos, o abandono do emprego ocorre devido a doenças específicas que tornam difícil conciliar as exigências do trabalho com o tratamento necessário. Isso leva muitas pessoas a tomarem a decisão de deixar o emprego para focar na sua saúde e recuperação.

Andréa Martins é uma dessas pessoas. Ela tem 51 anos e dedicou 22 anos de sua vida ao serviço público como técnica de enfermagem. Sua trajetória profissional foi interrompida em 2020, quando foi diagnosticada com espondilite anquilosante, uma doença inflamatória crônica que afeta as articulações.

 

Andréa sentiu os primeiros sintomas em 2018, mas inicialmente os atribuiu ao desgaste natural do trabalho noturno. “Eu achava que as dores, o inchaço nos pés e a dificuldade para caminhar eram devido ao trabalho à noite. Mas, na verdade, já eram os primeiros sintomas da doença”, relata. Ao longo do tempo, os sintomas se agravaram, com inchaço nas mãos e cãibras constantes, até que finalmente foi diagnosticada em 2019 e começou um tratamento intensivo de oito meses.


Diagnosticada em 2019, Andréa teve que deixar a carreira devido à doença inflamatória crônica que afeta suas articulações


A espondilite anquilosante trouxe muitas limitações físicas para Andréa, visto que a doença causa muita dor nas articulações e baixa imunidade. “Não posso ficar muito tempo sentada, em pé, ou andando. No ambiente hospitalar, que é altamente contaminante, isso se torna impossível”, explica. Essas restrições tornaram inviável sua permanência no trabalho, que resultou em seu afastamento definitivo em março de 2020.

 

A decisão de deixar a carreira veio acompanhada de preocupações financeiras. Andréa não sabia como seria a aposentadoria. Apesar de já estar aposentada, ela ainda não recebe como tal, porque, de acordo com a ex-técnica de enfermagem, “o processo é demorado no estado”. Ela também se preocupava com a continuidade do tratamento pelo plano de saúde, que cobre medicamentos caros não disponibilizados pelo SUS.

 

Para aqueles que enfrentam desafios semelhantes, Andréa destaca a importância do apoio psicológico. “A principal coisa é ter um apoio psicológico. Se não tiver dentro de casa, procure um psicólogo. A saúde mental fica muito abalada”, aconselha. Ela também sugere buscar tratamentos alternativos, como mudanças na alimentação e o uso de plantas medicinais.


Superando o abandono do emprego


Deixar o emprego, mesmo por motivos justificados, pode ser um processo carregado de incompreensão e desafios emocionais. Muitas vezes, a importância de um apoio psicológico nesse momento é subestimada. Segundo a psicóloga Ana Raiele, o papel do apoio psicológico é fundamental para validar as emoções negativas que surgem. A terapia ajuda a pessoa a identificar os fatores que levaram à decisão de sair do emprego e a desenvolver novas estratégias para lidar com as possibilidades futuras, seja encontrando um novo emprego ou enfrentando o período de desemprego.

 

Na Psicologia, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é frequentemente utilizada para lidar com questões relacionadas ao trabalho. A TCC se diferencia de outras abordagens psicológicas por seu foco específico no comportamento do indivíduo. “A TCC propõe várias atividades e ferramentas que a pessoa pode utilizar para enfrentar a situação de abandono de emprego. Essas atividades são projetadas para ajudar os indivíduos a reestruturar seus pensamentos e comportamentos, facilitando a adaptação a novas circunstâncias e promovendo um enfrentamento mais saudável das dificuldades emocionais associadas ao desemprego”, destaca Ana Raiele.

 

A psicóloga explica que o abandono de emprego é, na essência, a consequência de comportamentos específicos na vida de uma pessoa. Dentro da TCC, há abordagens que ajudam a pessoa a adotar atitudes e vieses diferentes, o que lhe permite lidar melhor com sentimentos de raiva, frustração e tristeza e desenvolver mecanismos eficazes para enfrentar essas emoções.




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