Por dentro do caldeirão sônico
- CAMILA RODRIGUES CUNHA
- há 4 dias
- 4 min de leitura
Conheça Sopa Records, estúdio musical independente formado em 2025 na capital sul-mato-grossense
João Antonio de Alencar e Matheus Bregolato Senna

Do cenário crescente de música independente alternativa de Campo Grande, a possibilidade de gravação dos músicos necessita da união e da incorporação de técnicas de guerrilha do cinema, como àquelas que trouxeram “Rocky” à vida. É nesse contexto, que surge a Sopa Records, um estúdio atrelado a uma banda e uma história, que une Mateus Capiberibe e Gusthavo Nakayoshi.
Os músicos se conheceram no Ensino Fundamental, o amor por ouvir e, eventualmente, criar música, foi fomentador das raízes que firmaram o pequeno estúdio que se situa nos fundos de uma casa no nordeste da cidade. O estúdio é pequeno, tem poucos metros quadrados que são divididos por computador, instrumentos, amplificadores, pedais e fios. Antes da entrevista começar de fato, foi necessário retirar a bateria de dentro da salinha para os quatro presentes sentarem frente a frente, os entrevistadores e os dois artistas. A parede é adornada por capas de discos que, mesmo nos mínimos detalhes, influenciam o som que lá é criado. Da psicodelia sessentista à milimétrica bossa nova, tudo indica a ideologia artística das mentes que ali comandam: o analógico.
“É um som metrônomo, é um som digitalizado, da onde não tem característica humana ali”, afirma Gusthavo, quando perguntado sobre a música mainstream atual. A filosofia ímpar de retorno a um som “imperfeito” é como um mantra entre aqueles que decidem ser parte da jovem gravadora. Enquanto corre a entrevista, “Love Me Two Times” do The Doors toca baixinho num computador, próximo do cinzeiro que dá base a uma insistente, e agora fraca, fumaça. O espaço começa a fazer mais sentido conforme o tempo passa, o cubículo musical é como uma fenda onde passado e presente se encontram, formando um possível futuro da música.

Na parede tangente àquela dos discos, posteres se amontoam. Não são de bandas ou artistas consagrados, onde mesmo depois da morte o som ecoa pelos discos e arquivos. São bandas locais, algumas, nem existem mais, não possuindo registros de sua breve vida. Capiberibe responde mensagens no celular, são do trabalho, depois, mostram algumas novas demonstrações de composições. Até que a gravadora, banda ou estúdio consiga se manter, o caminho é longo e incerto, desde o começo tudo sai do bolso deles, e do ímpeto da arte sonora.
“Ainda não temos nenhum lançamento de fato, existimos como gravadora há pouco tempo”, discorre Gusthavo. Do disco rígido do computador, armazenam produções com variado nível de prontidão, algumas já estariam aptas ao público alternativo, outras precisam de adições ainda.
“Na verdade nunca pensamos em criar o Sopa Records, a ideia surgiu da vontade de gravar sons e tocar música juntos”, afirma Gusthavo. Começou na escola, com Mateus comprando sua primeira interface de áudio, da marca Tascan após muito esforço, e com isso a dupla iniciou sua jornada musical. Ao longo dos anos, Mateus e Gusthavo conheceram mais pessoas, mais músicos e passaram a usar de seu espaço pessoal para gravar bandas de seus amigos. “Então decidimos fazer um selo, já que nós gravamos uns três ou quatro artistas diferentes. Gostávamos de gravar as nossas músicas e como temos um espaço, as outras pessoas acabam vindo pro estúdio, aí ensaia, e com o tempo quer gravar coisas.” Com esse crescimento de público e cada vez mais novas bandas buscando uma gravadora próxima e acessível, o grupo deseja aumentar seu espaço de gravação em breve.
Os trabalhos
Se consideram perfeccionistas, podem trabalhar em uma só linha de baixo durante um dia inteiro até que seja a “perfeita”. “Sabemos da importância que o artista dá a cada criação, são como filhos” explica Nakayoshi. “Não trabalhamos com todos os gêneros, tanto por limitações técnicas e de espaço quanto por desconhecimento. Que auxílio podemos dar sobre aquilo que não entendemos?”. Apesar disso, já realizaram trabalhos fora do espectro do rock.
Por intermédio de um amigo em comum, Igor, da banda Peixes Entrópicos, a gravadora foi contatada por uma escola, para a realização de um trabalho com as crianças. Divididos em grupos, os alunos escolhiam um livro e uma música, onde escreviam uma paródia em cima das letras. “É uma gurizada nova. Acho que eles nunca tiveram acesso a esse tipo de equipamento. E foi muito legal. Foi gratificante mesmo”, explicou Mateus.
O estúdio é aberto a quem tiver interesse e se identificar com os ideais. Entram em contato pelas redes sociais do projeto, que cobra por hora utilizada do espaço. Como meta de acessibilidade, cobram preços mais baixos que os outros e têm acesso a todos os equipamentos ali dentro.

Depois da cisão de um projeto mais antigo, a dupla de idealizadores buscaram maior controle na direção criativa. Então, além da gravadora, Gusthavo e Mateus junto de Lucas Henrique formaram em 2024 a Dr. Soup, banda de rock psicodélico. O nome é em homenagem à música “A Marchinha Psicótica de Dr. Soup”, de Júpiter Maçã, músico gaúcho que uniu a música brasileira com a psicodelia britânica já muito depois dos anos 60. Lucas chegou pouco depois da entrevista, ajudou a montar novamente a bateria no estúdio. Com os três músicos presentes, performaram “Pedro Martins”, faixa instrumental e autoral que flutua entre pontes de dissolução distorcida das guitarras e um concretismo rítmico próprio da música nacional. Um dos vários retratos sincretistas da música alternativa da nossa terra.






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