O negócio é delas
- lauras05
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Relatos de mulheres que ganham cada vez mais espaço no mundo dos negócios
Ana Beatriz Leal, Ingrid Protásio, Mariana Pesquero, Raissa Rojas
No mundo moderno, quem não se capacita, não inova e não se atualiza fica para trás no mercado de trabalho. Mas será que essa corrida é igual para todos e todas? Ou as mulheres sempre precisam se provar mais capazes? Mesmo com os preconceitos e estigmas, encontramos cada vez mais mulheres empreendedoras, provando que o negócio é sim delas!
O empreendedorismo pode ser definido como o ato de criar, desenvolver e transformar ideias em empreendimentos lucrativos. Composto por diferentes tipos e modelos, o empreendimento sustentável é um deles. Seu objetivo é alinhar a obtenção de lucros com diretrizes e práticas sustentáveis, com responsabilidade ambiental e social.
Empreendendo com sustentabilidade
Empreendedorismo feminino e sustentabilidade são dois conceitos que definem bem a trajetória de Ana Cristina Franzoloso, 55 anos. À frente de uma startup voltada para práticas sustentáveis há seis anos, ela carrega o desenvolvimento sustentável como propósito de vida desde a juventude.
O interesse por práticas sustentáveis surgiu ainda na graduação em Administração na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Foi durante o curso que Ana presenciou um dos importantes congressos ambientais que aconteceu no Brasil, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Eco 92. “Na época que o evento foi realizado aqui, começaram a falar do empreendedorismo sustentável, resíduos e a importância da gestão deles, e até movimento de negócios com esse descarte. Eu fiquei encantada e pensei ‘Eu quero mexer com isso!’, foi tema até da minha monografia”, relembra.
Ainda na universidade, ela atuava como bolsista do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e estagiava em um programa voltado à gestão de resíduos. O futuro na área parecia promissor, com uma efetivação programada na empresa. No entanto, a notícia da gravidez de sua primeira filha, alterou sua rota e a empresa desistiu de sua efetivação.
Com a filha prestes a completar 1 ano, decidiu que faria uma festa para celebrar e, ao procurar no mercado itens de decoração para a comemoração, sentiu dificuldade de encontrar materiais e itens que a agradassem. Foi quando percebeu que nessa área teria mercado para um empreendimento. “Falei: cara, tem mercado para isso. Eu vou abrir uma loja de decoração infantil nessa cidade”.
Nascia, então, em 1994 a Acfestascg, empresa de decoração infantil que se tornou sua principal fonte de renda. Uma forma de empreender, mesmo com os desafios que a maternidade apresentava. Ela conta positiva que, ao abrir o negócio, ainda conseguiria ficar perto da sua filha, mas também desafiante, pois conhecia pouco da área. “Foi um grande desafio, porque eu não fiz curso de decoração”.
Com o crescimento da marca, Ana retomou os estudos e decidiu investir novamente no que a movia desde a juventude. E em 2010 retornou à academia para estudar o que brilhava seus olhos e se especializar em gestão ambiental e de projetos. Ela também passou a integrar o Business for Fashion Woman, um coletivo do terceiro setor presente em mais de 100 países. Atuando como coordenadora da Comissão de Meio Ambiente, se destacou pelas práticas sustentáveis e, em 2018, foi convidada para apresentar um case na BBW Brasil, onde recebeu premiações.
Para ela, as mulheres estão cada vez mais presentes no mercado do empreendimento, sejam eles de pequeno, médio ou grande porte. “Acredito no empreendedorismo feminino como um agente transformador de monetização, de bons negócios. Acho que em todos os eixos, as mulheres estão aí fazendo acontecer”.
Todo seu destaque e desenvolvimento na área fez com que o Sebrae a convidasse para desenvolver uma startup. Assim nasceu, em 2019, a Du Bem, empresa voltada à gestão de resíduos e educação ambiental por meio de cursos, monitorias e consultorias para empresas e eventos. Ana não esconde os desafios enfrentados por ser uma mulher empreendedora. “Já passei por vários apertos por ser mulher. Eu falava de gestão de resíduo, tecnologia e falavam que não é um assunto de mulher. Mas não ‘tô’ nem aí, nada me faz desistir. Se eu vejo dificuldade, não é pelo sexo que eu vou me restringir não”.
Além de materiais, a Du Bem realiza produção de sabões feitos com produtos sustentáveis, como um produto à parte do seu empreendimento. “Hoje eu não ganho dinheiro com o sabão. Hoje o sabão é um subproduto da Du Bem. Quando eu faço os meus trabalhos de gestão de resíduo em eventos, oficinas para comunidade, levo o sabão para poder mostrar a importância da economia circular fruto de um descarte”.

Ana ainda está à frente do Drive-thru da reciclagem, iniciado em 2020 e que neste ano já está na décima quinta edição. Seu principal objetivo é o descarte correto de resíduos, em paralelo realiza a coleta de doações. Com o fomento de incentivo de parceiros, promove educação ambiental e momentos culturais para crianças e até a promoção de doses de vacinas da gripe.
Mesmo com a boa adesão do drive, Ana ressalta que o processo é longo e depende muito do comportamento individual de cada um. “É um processo, é uma cultura que eu acho que as pessoas têm que se despertar para isso. Mas em todas as minhas palestras, eu digo: ‘É uma mudança individual’. Tudo começa dentro da sua casa, dentro da sua forma de pensar, para depois você levar para a sua empresa, para o seu trabalho, para o seu segmento e vice-versa”.

De repente empreendedora
Alinne Brasil, 35 anos, trancista. Formada em pedagogia, atuou como professora de educação infantil por 5 anos mas, durante a pandemia da covid-19 e o isolamento social, as aulas presenciais foram pausadas. Com mais tempo dentro de casa e junto aos familiares, teve sua primeira cliente, a irmã que desejava algumas tranças no cabelo e confiou em Alinne para a realização. “Eu já sabia o básico, pois trançava o meu próprio cabelo desde muito cedo, ensinada pela minha avó, para ter mais praticidade no dia a dia”.
“Abandonei a carreira de professora na educação infantil. Eram 20 horas semanais, lotada no município. Decidi seguir e me dedicar ao mundo das tranças que tanto me orgulho!”. Com auxílio de tutorias na internet, técnicas e materiais, Alinne foi aos poucos aprimorando seu trabalho. Foram atividades online e mentorias que ajudaram e contribuíram com a evolução dos seus atendimentos, organização de agenda e financeira.
Inicialmente, os atendimentos eram realizados na varanda de sua casa e, com o tempo, passou a compartilhar espaços e também a atender em domicílio. O negócio expandiu e Alinne conquistou seu próprio espaço, onde hoje realiza os atendimentos de forma estruturada.
Seu negócio tem como foco principal a realização de tranças de cultura africana, popularmente conhecidas como tranças afro. “O que me motivou foi a imensa procura. A necessidade que vi em várias mulheres, pretas principalmente, de cuidar dos seus cabelos e ter diferentes alternativas no cotidiano”.
A trancista desabafa que no início os desafios eram maiores, principalmente sobre organização financeira. As dúvidas e apontamentos por ser empreendedora também não ficaram de fora. “Por ser mulher, sempre me perguntavam se esse era somente um ‘hobby ou um bico de final de semana’, ou se tinha alguma outra ocupação ‘formal’. Sempre tenho que explicar que sim, essa é a minha ocupação oficial e que ela me traz o sustento integralmente”.
Alinne utiliza as redes sociais como principal estratégia para a captação de novos clientes. Por meio de vídeos que mostram os resultados e as reações dos clientes, potencializa seu trabalho e alcance públicos maiores. “Mostrar a realidade das trançadas, cacheadas e crespas, ajuda muito a nos aproximar dos clientes do nicho”.
Com as mulheres empreendendo cada vez mais em diversas áreas, Alinne é otimista quanto ao presente e futuro do empreendedorismo feminino. “Cada vez mais as mulheres estão se dedicando 100% aos seus negócios, buscando conhecimento sobre empreendedorismo e me sentir parte disso me faz muito feliz”. Ela afirma que quer ver muito mais mulheres com liberdade financeira, para crescerem nos seus cenários, tendo tranquilidade de manter seus interesses, seu sustento e de sua família, sem grandes dificuldades ou impedimentos da sociedade.

Empreendedorismo geracional
Uma forma de decoração ou de transformar um momento especial mais relaxante com um perfume específico. Limpar e hidratar a pele, até mesmo causar efeitos cicatrizantes. Esse é o empreendimento de Rafaely Bianca Carvalho Santos, de 25 anos, com a sua marca Alvura, de velas e sabonetes artesanais. “Alvura, significa limpidez, transparência. Então, é o que eu procuro, trazer transparência para os meus clientes de uma forma que não vai te agredir a pele e não vai agredir o meio-ambiente, porque são todos produtos orgânicos, de fontes renováveis”, frisou a empreendedora.
Inspirada por uma família de empreendedoras, sua mãe e sua avó são costureiras, cada uma proprietária de seu ateliê, localizados na região central de Campo Grande, e assim criaram todas as filhas e netas. A empreendedora explica que se espelhou na família para ter seu próprio negócio. “Elas me demonstram que com determinação a gente alcança os nossos objetivos, apesar de todas as circunstâncias que tem na vida, o que a gente faz bem feito, somos validados por aquilo”, confessou Rafaely.

A jovem soma os conhecimentos da sua licenciatura na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), mestrado na área de química orgânica e doutorado, que está em andamento, para realizar os cálculos corretos das misturas e seleção de componentes para os seus produtos. “Eu comecei a fazer faculdade nessa intenção de cosmético, porque eu gosto muito de maquiagem, de perfume e de óleos essenciais, de aromas”. Durante a graduação foi meio complicado para ela conseguir conciliar, mas há um ano decidiu voltar a empreender.
Até a metade de 2025 foram mais de R$2.500 investidos em cursos de aprimoramento e outros R$2.500 em matéria-prima para dar o pontapé inicial, além disso esse começo ainda exigiu estratégia. “Isso para iniciar, mas ainda sem muito estoque. Vendendo, e do que pegar da venda, investindo novamente”.
Sua primeira clientela foram alguns amigos e parentes, depois começou a frequentar algumas feiras culturais. “Fui analisando como é mercado de produtos naturais e artesanais, acompanhando mesmo”. Agora com um perfil no Instagram para sua marca, alcança um público cada vez maior e procura investir cada vez mais no marketing da empresa. “As redes sociais me ajudaram bastante para conseguir novos clientes e para que as pessoas conheçam a marca”. Por meio desse impulsionamento, ela quer expandir o negócio e abrir uma loja física.
Com extrato de mel, mel puro, glicerina, álcool e muitos outros componentes, ela afirma que o carro chefe é o sabonete e a vela de mel, mas um dos focos por agora, além do marketing, é aprimorar o catálogo, que recentemente adicionou escalda pés. Os interessados conseguem os produtos através de entregas pela Rafaely até a residência ou até mesmo na própria universidade.
Esse é seu primeiro empreendimento. Rafaely conta que acreditou que teria dificuldades por ser um pouco tímida. “Eu ficava pensando se daria certo. Só que como eu vi que muitas pessoas gostam, aí eu acabei ficando um pouco mais tranquila”, relata a empreendedora. Ela toca sua empresa com a mão de obra de seu parceiro, Gabriel Gussi Vaccari, de 26 anos, professor de biologia, e juntos eles têm a Aurora, de três anos. Sua filha pequena é uma das maiores motivações para procurar algo além da profissão acadêmica. “Tentar dar um futuro melhor para minha filha, mostrar para ela que eu posso ser uma referência, assim como minha mãe, como minha avó foi. Eu posso ser uma referência tanto como uma profissional acadêmica, quanto como uma empreendedora”, destaca Rafaely.

Mesmo que o negócio seja bom e rentável, nem tudo são flores ou velas. “Se a gente tem algum deslize, sempre somos cobradas, não pelo nosso deslize muitas vezes, mas só pelo fato de ser mulher, ser mãe. Isso acaba dobrando ainda mais as cobranças diárias”, relata Rafaely sobre os desafios de empreendedoras.
Comunicar para empreender
Pensando em abrir novos horizontes de possibilidades para o empreendedorismo feminino, a jornalista e assessora de imprensa Stefanny Azevedo, 33, criou uma comunidade voltada a mulheres que desejam construir seu próprio negócio em Campo Grande, MS. Desde a graduação a jovem atua como assessora de imprensa e comunicação no mercado de Campo Grande, sentindo na pele a necessidade de uma orientação focada ao público feminino.
O Empreendedoras do Agora nasceu em 2023 como uma saída para mulheres que se sentiam perdidas no mundo dos negócios e se tornou um local onde micro e pequenas empreendedoras recebem suporte para desenvolvimento pessoal e profissional. “Era comum eu ouvir as dores de empreendedoras que sentiam a falta de espaço acolhedor, então eu pensei que poderia fazer algo a respeito e foi aí que nasceu as Empreendedoras do Agora. O meu propósito é inspirar mulheres a empreender e prosperar”, explica Stefanny.
Fazer com que as mulheres participem ativamente da comunidade é o principal desafio em sua caminhada, revela a empreendedora. No Brasil, a inserção da mulher no empreendedorismo tem crescido. Hoje, é o sétimo país com maior participação feminina no empreendedorismo. Segundo dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2024, o número de mulheres empreendedoras é de 43,5%, em comparação a 56,5% de homens empreendedores.
Estes, não é novidade, estão no mundo dos negócios há muito mais tempo, além de, o que também não é surpresa, terem salários muito melhores. Uma pesquisa do SEBRAE feita no final de 2024 revelou que as mulheres ganhavam, em média, 24,4% menos que os homens. Stefanny destaca outro ponto importante: “se você é homem, sua credibilidade já está praticamente pronta, enquanto uma mulher precisa construir isso com bastante dificuldade”.

Essa realidade nos mostra a importância de incentivos, capacitações e redes de acolhimento no processo de consolidação das mulheres em seus empreendimentos. “É primordial que a mulher empreendedora esteja conectada a uma rede de apoio para desenvolver seu próprio negócio. Ninguém faz nada sozinha e as parcerias estão aí para isso. Além de criar networking, você cria também oportunidades de negócios e muitas vezes amizades reais que ultrapassam as barreiras do mundo profissional”, ressalta a jornalista, que participa, também, de outros grupos de mulheres.
De acordo com o Estudo do Empreendedorismo Feminino no Brasil, produzido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 17% dos cargos de presidência das empresas no Brasil são ocupados por mulheres. Mulheres em cargos de liderança são referências essenciais de que é possível ocupar esses espaços. Daí a importância de mentorias e capacitações que as orientem e as ajudem a extrair o melhor suas capacidades, aumentando as possibilidades no mercado.
Stefanny acredita que o conhecimento é a principal ferramenta para o desenvolvimento pessoal e profissional. Hoje, quase 500 mulheres participam da comunidade Empreendedoras do Agora, com rodadas de negócios, palestras, ciclos de capacitação e imersões. Quando se trata de Campo Grande, a empreendedora enxerga um mercado em ascensão. “Nosso mercado está muito bem servido de grupos femininos, cada um com uma proposta diferente que atraia perfis de mulheres diferentes também”.

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