O futuro do vale da celulose: impactos socioambientais reacendem debate em ano da COP30
- MILENY RODRIGUES DE BARROS
- 28 de out.
- 6 min de leitura
Mato Grosso do Sul atrai multinacionais da celulose e abre alerta para riscos de devastação
Ana Carla Souza, Mariana Azevedo e Nathaly Santos
O Vale da Celulose de Mato Grosso do Sul é um polo industrial que tem movimentado a economia do Estado e gerado empregos nas doze cidades que receberam empresas produtoras de papel e celulose como Suzano, Arauco e Bracell. Com o aumento da demanda de trabalho, as expectativas são de que haja cerca de 100 mil novos empregos até 2032. Hoje, o setor já responde por 10,7% do PIB estadual, mas essa expansão acelerada tem gerado impactos na população e no meio ambiente e reacende o debate sobre sustentabilidade local em meio à realização da 30ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP30), que acontece de 10 a 21 de novembro, em Belém (PA).
Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), nos últimos dez anos, o Estado ampliou em mais de 500% sua área de florestamento e estima-se que novos investimentos devem ultrapassar mais de 70 bilhões até 2028. Água Clara, Aparecida do Taboado, Bataguassu, Brasilândia, Cassilândia, Inocência, Nova Alvorada do Sul, Paranaíba, Ribas do Rio Pardo, Santa Rita do Pardo, Selvíria e Três Lagoas constituem os doze polos que concentram a indústria de celulose no Estado.
Entre os municípios brasileiros com maior área plantada de eucalipto, cinco representam Mato Grosso do Sul pelo país, sendo Três Lagoas o maior deles. De acordo com o último censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade na divisa com São Paulo e conhecida como “capital da celulose”, que possui pouco mais de 132 mil habitantes, cresceu 17 vezes nos últimos 10 anos no setor econômico, o que levou ao aumento da devastação territorial no município.
Segundo o professor e mestre em Ecologia, Rafael Dettogni, a produção de celulose dessas indústrias gera diversos impactos na área ambiental e podem levar a uma série de danos à natureza a longo prazo. “Os impactos são significativos. O primeiro e mais visível é a transformação da paisagem. Onde antes talvez existisse uma vegetação nativa diversa, surgem imensas áreas de monocultura que levam diretamente à perda de biodiversidade”.
Além disso, o especialista explica que durante o cultivo das árvores utilizadas na produção, outro fator crítico que também afeta os rios e córregos da região é o consumo de água das empresas. “A indústria de celulose consome um volume enorme de água, tanto no cultivo das árvores quanto no processo industrial de produção do papel. Isso pode gerar competição pelo uso da água com as comunidades locais e outros setores, além de rebaixar o lençol freático”, explica.

Apesar de se tratar de uma produção que se baseia no cultivo florestal de árvores, as espécies utilizadas como eucalipto e pinus não são nativas da região, e acabam necessitando de mais nutrientes do solo, principalmente a água. Dettogni esclarece que esse tipo de plantio pode causar desequilíbrio na terra sem os cuidados adequados “Com o tempo, sem um manejo adequado, o solo empobrece e pode se tornar compactado pelo uso constante de maquinário pesado na colheita e no plantio. Isso prejudica a infiltração da água e aumenta o risco de erosão”.
Os impactos podem ser sentidos de diversas formas na região. O professor e mestre em biologia vegetal, João Marcelo Figueiredo, comenta que futuramente pode haver ainda mais mudanças na temperatura das cidades e o uso do solo pode se tornar indisponível para o cultivo. “A longo prazo podemos destacar que realizar a remoção de florestas nativas pode causar alterações climáticas locais, tornando a sensação térmica cada vez mais alta e a baixa disponibilidade hídrica e nutricional do solo. Isso faz com que o uso daquela área, muito provavelmente, não seja viável no futuro”.
Efeitos na comunidade local
A expansão dessas indústrias não se reflete apenas no campo. As cidades do Vale da Celulose também enfrentam obstáculos quanto à infraestrutura e serviços públicos. Com o aumento do fluxo de trabalhadores, cresce a procura por moradias, o que impulsiona o preço dos imóveis. O operador de máquinas, Matias de Oliveira, 55 anos, trabalhou na área de plantio em uma empresa de celulose nas cidades de Água Clara e Dois Irmãos do Buriti e conta as dificuldades em relação ao alto custo dos aluguéis nessas cidades. “Para quem tem imóveis, é bom o preço dos aluguéis. Mas para quem é trabalhador, é difícil porque é um dinheiro que nunca retorna”.

Além do preço dos aluguéis, a superlotação em unidades de saúde e escolas, também é um problema causado pela expansão industrial. O Ministério das Cidades propôs no dia 15 de setembro a ampliação do programa "Minha Casa, Minha Vida – Cidades" para minimizar o déficit habitacional no Vale da Celulose em Mato Grosso do Sul, que sofre com a migração de trabalhadores.
Neste ano, o senador Nelsinho Trad solicitou uma audiência no Senado com o objetivo de discutir a criação de novas políticas públicas que possam reverter essa situação. “Eu resolvi fazer uma audiência pública no Senado, chamando os ministérios do governo federal para falar para eles que o que está acontecendo lá precisa ser visto de forma diferente. Esses municípios que estão tendo essa transformação precisam de um enfoque e de um olhar mais especial por parte do governo”.

Na audiência, a intenção é criar um diálogo entre as empresas e as cidades que estão no Vale da Celulose. “O objetivo é pôr na mesa quem está sofrendo e quem está fazendo sofrer. E aí entram governo federal, ministérios, governo estadual, empresas, prefeitura e sociedade civil organizada”, relata Nelsinho. Segundo o senador, a Suzano, maior fabricante de celulose do mundo, ofereceu para a cidade de Ribas do Rio Pardo a construção de unidades habitacionais, postos de saúde, creches e escolas. “O nome disso é responsabilidade da contrapartida social”.
Mas afinal, é possível equilibrar?
Além das adversidades sociais que afetam a população, as mudanças ambientais também são um fator determinante nessa expansão das indústrias da commodity. O professor Rafael Dettogni explica que o desequilíbrio ecológico afeta todos e que a responsabilidade das indústrias e fábricas vai além do cumprimento da legislação. “As empresas precisam investir em manejo florestal sustentável. Isso inclui práticas como o plantio em mosaico, deixando corredores ecológicos de mata nativa entre as plantações para permitir o fluxo da fauna”.

Além dos cuidados no plantio, o senador Nelsinho Trad acredita que o desempenho das empresas em relação ao meio ambiente também deve ser melhorado. “Acho que a experiência do que está acontecendo acaba demonstrando o que tem que ser feito e o que deveria ter sido feito. Então isso é uma constante vigilância para a gente poder buscar esse aperfeiçoamento”.
O relatório de Sustentabilidade da Suzano de 2024 apresenta que mais de 371 mil pessoas foram impactadas com iniciativas sociais. Dados públicos das empresas citadas afirmam que existe um controle dos processos erosivos do solo e um sistema de gerenciamento do uso da água, descartes de resíduos e programas de restauração ecológica. Nos relatórios da Bracell e da Arauco também de 2024, as indústrias reiteram seu compromisso com a preservação das florestas, e que possuem um programa de monitoramento da biodiversidade.
Ainda neste mês, a Associação Sul-Mato-Grossense de Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas (Reflore-MS), que oferece a assessoria ambiental das multinacionais, divulgou que as empresas associadas consolidam Mato Grosso do Sul como líder nas exportações de celulose, representando cerca de 34,4% do mercado internacional.
A equipe de reportagem entrou em contato com as empresas que compõem o Vale da Celulose do Estado sobre o planejamento ambiental e urbano em razão dessa expansão de mercado para os municípios e até a data da entrega da reportagem, não obteve resposta.






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