Como a pressão por padrões estéticos irreais e a influência digital ameaçam a saúde física e mental
Maria Eduarda Fernandes e Mellissa Ramos
A incessante busca pela magreza pode levar a quadros severos de ansiedade, depressão e baixa autoestima. Foto: Maria Eduarda Fernandes
Você já se olhou no espelho e se perguntou por que não gostava do que via? Diariamente, somos bombardeados com a ditadura da magreza nas redes sociais. Padrões estéticos irreais são incessantemente promovidos, distorcendo nossa percepção de beleza e saúde. Imagens meticulosamente editadas e corpos moldados criam uma pressão constante para alcançar ideais muitas vezes inatingíveis. Isso não apenas gera uma insatisfação pessoal, mas também encoraja comportamentos extremos na tentativa de alcançar esses padrões irrealistas, muitas vezes através das promessas de influenciadores que utilizam e incentivam o uso de chás, receitas, dietas, cursos ou outras técnicas. Essa busca desenfreada frequentemente sacrifica tanto a saúde física quanto a saúde mental, perpetuando uma cultura de descontentamento e disforia corporal que impacta profundamente pessoas de todas as idades.
Em 2017, uma das maiores blogueiras do país, Bianca Andrade, conhecida como Boca Rosa, foi o centro de uma grande polêmica na internet. Conhecida por compartilhar dicas de beleza e estilo de vida saudável com milhões de seguidores, Bianca surgiu visivelmente mais magra em vídeos, alegando que seu emagrecimento era fruto de uma dieta natural baseada em "comidinhas da terra". No entanto, a verdade veio à tona de forma inesperada: Bianca havia se submetido a uma lipoaspiração, informação que foi inicialmente omitida de seu público.
Durante uma transmissão ao vivo, a mãe da blogueira sugeriu que ela fosse sincera sobre a cirurgia, revelando um segredo guardado até então. Bianca, visivelmente constrangida, teve que se explicar para seus seguidores, afirmando que a principal perda de peso ocorreu devido à dieta natural iniciada meses após a cirurgia. A revelação gerou uma enxurrada de críticas, com muitos seguidores se sentindo enganados e questionando a veracidade das dicas de emagrecimento da influenciadora.
Bianca não estava apenas compartilhando seu processo de emagrecimento, havia um objetivo comercial por trás de suas postagens. Associada a uma marca de produtos naturais, a blogueira promovia a ideia de que sua perda de peso significativa era resultado exclusivo do consumo dessas "comidinhas da terra". A intenção era clara: convencer seus seguidores de que poderiam obter resultados similares ao aderirem aos produtos que ela estava divulgando.
Essa estratégia de marketing, no entanto, se revelou problemática quando a verdade sobre a lipoaspiração foi exposta. Muitos seguidores se sentiram traídos, acreditando que haviam sido levados a comprar um produto que não tinha um valor acessível na época, sob a falsa promessa de perda de peso. A situação levantou questões éticas sobre o papel dos influenciadores digitais na promoção de produtos e sobre a transparência que devem manter com seu público.
A controvérsia em torno da situação não só colocou em xeque a credibilidade da influenciadora, mas também destacou a pressão que esses profissionais enfrentam para manter uma aparência ideal, muitas vezes à custa da verdade. A prática de vender produtos com promessas enganosas de transformação física é um reflexo da ditadura da magreza, que perpetua padrões de beleza inatingíveis e contribui para a insatisfação corporal entre os seguidores.
O episódio expôs a pressão sobre influenciadores digitais para manterem uma imagem perfeita e as consequências disso para a saúde mental e autoestima. A busca incessante por padrões de beleza irreais nas redes sociais levanta questões importantes sobre autenticidade e responsabilidade na era digital, mostrando a necessidade de um diálogo mais honesto e transparente entre criadores de conteúdo e sua audiência.
Embora alguns casos possam ser inspiradores, é importante considerar os riscos associados a perdas de peso rápidas e extremas. Dietas extremamente restritivas, suplementos não regulamentados e exercícios excessivos podem levar a problemas de saúde, como deficiências nutricionais, distúrbios alimentares e danos metabólicos.
Profissionais de saúde frequentemente enfatizam a importância de uma abordagem equilibrada para perda de peso, que inclua mudanças graduais no estilo de vida, como dieta balanceada e exercícios físicos regulares. Consultar um nutricionista ou médico antes de iniciar qualquer programa de emagrecimento é fundamental para garantir que as escolhas sejam seguras e sustentáveis a longo prazo.
Uma saída ‘rápida e prática’
A disforia de imagem não se limita simplesmente à insatisfação com a aparência física, mas envolve uma profunda desconexão entre a imagem real do corpo e a idealizada. Esse descompasso pode levar a uma série de consequências adversas para a saúde mental, como ansiedade, depressão e, em casos extremos, transtornos alimentares. Estudos têm demonstrado que indivíduos afetados por disforia de imagem podem chegar ao extremo de usar medicamentos, como esteroides anabolizantes, para tentar alcançar padrões estéticos irrealistas.
Segundo o psicólogo clínico com experiência em distúrbios alimentares Ricardo Fernandes, a obsessão pela magreza muitas vezes leva a comportamentos extremos, como dietas restritivas severas e exercícios excessivos, que podem resultar em transtornos alimentares como anorexia e bulimia. Ele ressalta que os coachs de emagrecimento, por vezes, promovem métodos não científicos e pouco saudáveis, gerando expectativas irreais e danosas. A divulgação de receitas mirabolantes, exercícios infalíveis, muitas vezes são baseadas exclusivamente na experiência da própria pessoa, o que pode acarretar sérias complicações, uma vez que cada organismo é único e funciona de uma determinada maneira.
Um dos maiores vilões do emagrecimento repentino, gerado por essa pressão estética é o uso de medicamentos inibidores de apetite sem o devido acompanhamento médico, que tem gerado intenso debate e especulação, especialmente com relação às jornadas de perda de peso de celebridades. Entre os mais discutidos estão Ozempic, Wegovy e o recentemente lançado Mounjaro. Originalmente desenvolvidos para tratar condições como diabetes, esses medicamentos têm sido utilizados fora das suas indicações originais para ajudar na redução de peso. É crucial entender tanto os possíveis benefícios quanto os riscos associados ao uso desses medicamentos.
A médica endocrinologista Mainara Rodrigues adverte que esse tipo de prática pode desencadear distúrbios endócrinos significativos, como a síndrome do ovário policístico (SOP) em mulheres e o hipogonadismo em homens, devido às flutuações de peso e à má nutrição. Ela enfatiza que a saúde deve sempre ser priorizada sobre a estética, e é fundamental que os profissionais de saúde desmistifiquem mitos e promovam uma abordagem equilibrada e baseada em evidências.
Saudável para quem?
No início de 2024, a cantora Maiara, da dupla sertaneja Maiara & Maraisa, chamou atenção devido à uma mudança significativa em sua aparência, marcada por um emagrecimento repentino. A cantora tem compartilhado com seus fãs e seguidores nas redes sociais detalhes dessa transformação, que incluiu uma série de mudanças em seus hábitos alimentares e rotina de exercícios.
Maiara revelou que o emagrecimento foi resultado de uma dedicação intensa à dieta e à prática regular de atividades físicas. Ela aderiu a uma alimentação balanceada, focada em alimentos naturais e saudáveis, evitando alimentos ultraprocessados. Além disso, a cantora intensificou sua rotina de exercícios, incluindo treinos de musculação e aeróbicos, sob a orientação de profissionais de saúde e fitness.
Um ponto importante na jornada de emagrecimento, segundo a cantora, foi o acompanhamento médico. Ela destacou a importância de consultas regulares com nutricionistas e médicos especializados para garantir que seu processo de perda de peso fosse seguro e eficaz. Esse acompanhamento foi crucial para ajustar a dieta e os exercícios conforme necessário, respeitando os limites do corpo e promovendo um emagrecimento saudável.
Em meio ao processo, surgiram diversas polêmicas nas redes sociais envolvendo a cantora, especialmente sobre o uso de medicamentos para perda de peso, como o Ozempic. Maiara abordou essas polêmicas publicamente, esclarecendo que seu emagrecimento foi resultado de uma combinação de dieta equilibrada, exercícios físicos e acompanhamento médico rigoroso. Ela enfatizou que não fez uso de medicamentos para alcançar seus objetivos de perda de peso e reafirmou a importância de seguir métodos saudáveis e supervisionados por profissionais para garantir a segurança e eficácia do processo de emagrecimento.
Apesar das declarações, as especulações continuaram, refletindo a crescente pressão e expectativa em torno das celebridades sobre questões de aparência física. Maiara manteve-se firme em sua postura, utilizando suas plataformas para promover hábitos saudáveis e a importância de acompanhamento profissional em qualquer jornada de perda de peso. Ela também incentiva seus seguidores a buscar orientação médica e a não se renderem a soluções rápidas e potencialmente perigosas para emagrecer.
As polêmicas envolvendo Maiara e o Ozempic refletem uma preocupação crescente com o uso indiscriminado de medicamentos para emagrecimento e a necessidade de maior conscientização sobre os métodos seguros e eficazes de alcançar e manter uma boa saúde física.
Coachs e dietas malucas
Os coachs de emagrecimento na internet têm proliferado nos últimos anos, prometendo soluções rápidas e eficazes para a perda de peso. Eles frequentemente utilizam plataformas digitais, como redes sociais e websites, para atrair seguidores em busca de transformação física.
A médica endocrinologista Mainara Rodrigues afirma que é importante que as pessoas compreendam que cada corpo é único e que programas genéricos de emagrecimento podem não ser adequados para todos. O acompanhamento individualizado por profissionais de saúde qualificados é essencial para garantir que a perda de peso seja feita de maneira segura e sustentável.
Uma das influenciadoras mais conhecidas pelo trabalho de coach no Brasil é Maíra Cardi, fundadora do “programa de emagrecimento” SECA VOCÊ. Maira é conhecida entre seus seguidores por promover transformações físicas dramáticas e inspiradoras, utilizando um programa que combina dieta, exercícios e cuidados com o bem-estar emocional. No entanto, seu estilo agressivo de coaching e o foco em resultados rápidos levantaram preocupações entre profissionais de saúde.
Uma das polêmicas envolvendo Maíra Cardi foi relacionada ao chamado "jejum intermitente extremo". Em um episódio, ela afirmou que havia passado 26 horas sem comer e que isso fazia parte de sua rotina de emagrecimento. Outro episódio polêmico envolvendo Maíra Cardi foi quando ela divulgou um método de emagrecimento rápido que prometia resultados em poucos dias. Ela incentivava seus seguidores a seguir um plano alimentar extremamente restritivo, que incluía consumo mínimo de calorias e eliminação de grupos alimentares inteiros, como carboidratos ou gorduras.
Essa abordagem gerou críticas por parte de nutricionistas e profissionais de saúde, que alertaram para os perigos de dietas muito restritivas, que podem causar deficiências nutricionais, perda de massa muscular e até problemas de saúde mental, como obsessão por alimentos e distúrbios alimentares. Embora tenha muitos seguidores que relatam sucesso com seus métodos, especialmente no curto prazo, a controvérsia em torno de suas práticas destaca a importância de abordagens equilibradas e sustentáveis para o emagrecimento, sempre sob a supervisão de profissionais capacitados. É digno de nota que a influenciadora não tem formação alguma para as recomendações de emagrecimento que faz na Internet.
O impacto das dicas irresponsáveis
Os coachs e influenciadores têm uma responsabilidade imensa com o conteúdo que compartilham, pois suas recomendações podem impactar profundamente a saúde física e mental de milhões de seguidores. Essa questão é uma preocupação crescente entre médicos e a sociedade em geral. Profissionais de saúde se unem para educar o público sobre os riscos dos métodos de emagrecimento rápidos e não supervisionados, ao mesmo tempo em que promovem uma abordagem mais holística e saudável para o bem-estar. A colaboração entre médicos, nutricionistas, psicólogos e influenciadores pode ajudar a construir um ambiente em que a saúde é priorizada e a diversidade corporal é celebrada, afastando-nos da perigosa ditadura da magreza. A busca pela aceitação do próprio corpo e pela saúde deve prevalecer sobre a perseguição de padrões irreais e potencialmente prejudiciais.
Em resumo, a análise da ditadura da magreza e da pressão estética nas redes sociais revela um cenário preocupante. A incessante idealização de corpos magros e perfeitos não alimenta apenas a insatisfação pessoal e a disforia de imagem, mas também promove práticas extremas e potencialmente prejudiciais em busca desses padrões inatingíveis.
Os episódios envolvendo influenciadores, como o caso de Bianca Andrade e Maíra Cardi, evidenciam como a falta de transparência na divulgação de métodos de emagrecimento pode impactar negativamente o público. Essas situações sublinham a necessidade urgente de regulamentações mais rigorosas e de uma educação mais ampla sobre saúde e bem-estar nas plataformas digitais.
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