top of page

Caminhos para a liberdade

  • lauras05
  • 29 de abr.
  • 6 min de leitura

A ressocialização penal é direito garantido pela lei para que todos possam contribuir com a sociedade


Beatriz Barreto e Glenda Rodrigues


Apenados trabalham no campus Cidade Universitária da UFMS. Foto: Glenda Rodrigues
Apenados trabalham no campus Cidade Universitária da UFMS. Foto: Glenda Rodrigues

Entre o dever do Estado e o direito do apenado, está a ressocialização penal — um processo que busca reinserir o indivíduo preso na sociedade ainda durante o cumprimento da pena. Em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul (MS), para que o retorno à liberdade vá além da punição e seja mais oportuno e produtivo, esse processo acontece por meio de ferramentas e práticas oferecidas pelo sistema prisional: trabalho, estudo e leitura.

No Brasil, a Lei nº 7.210/1984, também chamada de Lei de Execução Penal (LEP), define que a execução da pena deve proporcionar condições adequadas para a integração social do detento. Segundo essa Lei, o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto poderá diminuir, por trabalho ou estudo, parte do tempo de execução da pena e, estabelece também a autorização para que a cada três dias trabalhados, seja abatido um dia de pena. Já em relação ao estudo, para abater um dia de pena é necessária uma frequência escolar de 12 horas divididas em três dias.

Não há, na legislação brasileira, uma proibição por tipo de crime que impeça o detento de ser ressocializado ou de ter a remição de sua pena. Nesse sentido, condenados por qualquer tipo de crime têm direito a práticas reintegrativas.

O modelo de ressocialização penal do MS segue as diretrizes da LEP e da Política Nacional de Trabalho no Sistema Prisional, que buscam proporcionar oportunidades de qualificação profissional e ocupação produtiva para os reeducandos, tal como possibilitar a redução na reincidência criminal e promoção da segurança e a justiça social, tanto para o detento quanto para a sociedade. Mas, mesmo com essas diretrizes alinhadas com as demais da federação, no estado, são implementadas estratégias diferentes do cenário nacional.

 

No MS

 

A Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen-MS) é o principal agente executor do processo de ressocialização penal no MS por meio da gerência das unidades penais e implementação de programas, parcerias e políticas estratégicas, como atividades laborais, educação e assistência social. Em 2025, a Agepen-MS custodia presos, condenados e provisórios, do sexo feminino e masculino, em 42 unidades penitenciárias distribuídas pelo estado sob três regimes penais (fechado, semiaberto e aberto).

De acordo com uma publicação no site oficial da Agência, feita em janeiro de 2025, o percentual de presos que trabalham no estado, dentro e fora dos presídios, era de 38,67% no primeiro mês do ano. De acordo com a mesma publicação, o número de parcerias da Agepen-MS aumentou cerca de 60% em sete anos, indo de 157 para 247 e nesse período, no âmbito laboral, isto é, no âmbito de trabalho, 7.018 apenados foram incluídos, apresentando um crescimento de 39%.

No território, tais implementações contemplam iniciativas específicas como as unidade de Dourados e Campo Grande, das Centrais Integradas de Alternativas Penais (CIAPs), que disponibilizam o acompanhamento a pessoas em cumprimento de medidas alternativas à prisão; as oficinas laborais, que ensinam por exemplo, a produção de pães e salgados; e as parcerias e convênios com instituições públicas e privadas.

Dentre as parcerias firmadas, se destacam as voltadas à ressocialização por meio da educação. Uma delas é com a Secretaria de Estado de Educação (SED), que viabiliza a oferta de ensino formal público em mais de 30 extensões escolares nas unidades prisionais, contemplando o Ensino Fundamental e Médio por meio da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), além de cursos profissionalizantes. Também há convênios com instituições privadas de Ensino Superior, permitindo que os detentos, por iniciativa e recursos próprios, tenham acesso à graduação na modalidade de Educação a Distância (EAD). Outro exemplo de parceria da Agência, são os projetos realizados em conjunto com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), de Trabalho e Remição pela Leitura.

Asher Brum, professor de Antropologia da UFMS, coordena a ação de extensão universitária “Remição pela Leitura”. A iniciativa segue as diretrizes da prática de redução da pena por meio da leitura, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O reeducando participa de forma voluntária e, a cada 30 dias, pode escolher uma obra para ler e, após a leitura, produzir uma resenha ou relatório, para ser avaliado. Assim, tem direito à diminuição de quatro dias da pena e ao longo de um ano, é possível conquistar até 48 dias de redução do cárcere. O projeto envolve mais de 70 acadêmicos da UFMS de diversos cursos, que atuam na avaliação das resenhas, garantindo a autenticidade do processo.

Asher acredita que a efetivação dos objetivos das práticas de ressocialização é algo muito específico para cada apenado. “Ressocializar depende da própria individualidade da pessoa, da própria psiqué da pessoa, da própria história de vida da pessoa e, sobretudo, da forma como ela está envolvida com o ‘mundo do crime’. As leis preveem o direito de participação em tais práticas, mas o resultado delas não depende só da participação”, explica.

 

Na capital

 

Segundo dados do estudo Sispestatística, realizado pela Agepen-MS, em fevereiro de 2025, o sistema prisional masculino de Campo Grande registrou um total de 5.825 detentos em regime fechado e 2.472 em regime semiaberto. No mesmo período, o feminino contabilizou 311 internas em regime fechado e 154 em regime semiaberto.

A Lei de Execução Penal previu a existência do Conselho da Comunidade em cada comarca, ou seja, em cada divisão territorial da Justiça em primeira instância - uma organização formada por um representante de associação comercial ou industrial, um advogado, um defensor público e um assistente social. Nela, o juiz da execução penal nomeia os membros e garante a efetiva atuação de cada representante social. Cabe ao Conselho da Comunidade articular-se com as entidades locais para implementar políticas de reinserção social de quem cumpre pena e de quem já é egresso do sistema penal. Portanto, não bastam políticas assistenciais para que essa organização cumpra o seu papel. É preciso ir além e efetivar a reintegração plena da pessoa presa com a vida durante e após a prisão. 

As universidades podem ser grandes aliadas na ressocialização de quem passa pelo sistema prisional. Esses espaços abrem as portas de programas de ensino, extensão e pesquisa para os reeducandos. No caso da UFMS, por intermédio do contrato firmado entre o Conselho da Comunidade de Campo Grande (CCCG/MS), eles têm a oportunidade de abater parte de sua pena, trabalhando na manutenção de mesas, cadeiras, toldos e calçadas, dentre outros serviços, que exigem um nível mínimo ou nenhum de formação ou experiência para execução.

 




Em busca da redução da pena

 

Dentre os reeducandos que trabalham na Cidade Universitária da UFMS em 2025, Fabiano Silva dos Santos, 48 anos, exerce a função de eletricista e essa é a sua primeira oportunidade de prestar serviços fora dos muros da prisão e de reduzir a pena que lhe foi imposta. A profissão lhe é familiar, a exercia antes de ser preso. Grande parte de seus colegas de cela, no entanto, foram presos muito jovens e não tinham um ofício definido, por isso, ao receberem a oportunidade extramuros de trabalho aprendem na prática o ofício ofertado.

Condenado a 17 anos de reclusão por tráfico transnacional de drogas, Fábio já cumpriu 16 anos da pena e está há 90 dias no espaço, que, para alunos e professores, é um campo fértil de pesquisa e troca de conhecimentos. Mas, para ele, é a chance de abreviar a sua condenação criminal. Cumprindo pena em regime semiaberto, o reeducando soube da parceria entre o sistema penal e a universidade, e cedeu sua mão de obra em troca da remição da pena e do direito a um salário.

Para Fábio, a remição da pena pelo trabalho ajuda o reeducando a repensar “Você vai trabalhar, vai ganhar o seu dinheiro, principalmente para quem não tem profissão. No meu caso, eu já tinha profissão, mas para quem não tem, aprende a trabalhar e acaba se acostumando a ter um salário no mês, a ter os benefícios. Muitos deles não voltam pro crime”. Os estudos para os reeducandos são oferecidos no período noturno, devendo o aluno-apenado retornar ao local de cumprimento de pena no horário máximo determinado pelo juiz da execução penal.


Na mesma condução, histórias de vida se cruzam. Bruno Martins da Silva, 35 anos, foi condenado por tráfico de drogas, homicídio e roubo. Era pintor antes de ser preso, aos 19 anos. Assim como Fábio, Bruno já cumpriu 16 anos de sua pena. Há dois meses consertando carteiras escolares na UFMS, carrega consigo a experiência da jornada de trabalho desempenhada no regime fechado, quando passou por serviços na cozinha e no artesanato. Nos corredores do estádio Morenão, detalha seu ofício de montagem e desmontagem das mesas, aliada à pintura do metal. A vontade de não apenas reformá-las, mas também de um dia poder estudar nelas, é evidente. Bruno, que tem apenas o Ensino Fundamental completo, pretende seguir os estudos, tanto para remir sua pena, como para se formar em curso relacionado à agropecuária.

 

Yorumlar


  • alt.text.label.Facebook
  • alt.text.label.Instagram

©2023 por Textão Jornalístico. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page