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Costurando sonhos

  • Foto do escritor: CAMILA RODRIGUES CUNHA
    CAMILA RODRIGUES CUNHA
  • há 13 minutos
  • 5 min de leitura

Entre maternidade, estudo e trabalho, a boliviana Rebeca Febe consolidou um ateliê  que nasce da escuta e transforma inseguranças em peças que valorizam quem as veste


Camila Passos, Emanueli Ovelar e Maria Eduarda Franco



Às 18:00 de uma quarta-feira, Rebeca nos recebe com um belo sorriso. “Desculpa deixar vocês esperando meninas”. O sotaque de sua língua materna (espanhol) é forte, mas mais forte que ele é a sua simpatia. Chegando em seu local de trabalho, a primeira coisa à vista é uma grande mesa repleta de materiais, moldes, lápis e tecidos. “Não reparem na bagunça”, diz Rebeca, juntando alguns itens nas mãos. Ao chegar na sala, nos sentamos e antes de começarmos a entrevista, Sandra, filha mais velha da estilista, entra, nos cumprimenta e pede para arrumar rapidamente o cabelo da mãe. Ela nos deixa diante de uma mulher com cabelos longos e negros, vestindo um conjunto preto elegante, um sorriso radiante e um carisma sem igual.

Essa é Rebeca Febe Yupanqui, que aos 39 anos, costura mais do que tecidos, costura sua própria história. Nascida na Bolívia, ela chegou no Brasil com 19 anos carregando pouco mais do que a coragem e a lembrança das mãos da mãe trançando lã de ovelha para criar manualmente os famosos ponchos. Durante a adolescência, enquanto ainda morava na Bolívia, fez “de tudo um pouco”, até encontrar na costura um espaço onde seus olhos, atentos aos detalhes, finalmente faziam sentido.

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Foto: Maria Eduarda Franco.


Quando veio para o Brasil, em 2005, desembarcou inicialmente em São Paulo, onde trabalhou como piloteira (costureira especializada que confecciona a peça-piloto, a primeira unidade de um modelo de roupa, transformando o molde do papel em uma peça real). Pela primeira vez viu de perto o processo de criação: as passarelas que viraram referência, a patroa coreana desenhando moldes e a transformação de uma ideia em peça. “Tudo aquilo foi um choque para mim, me fez despertar aquele sentimento e emoção”, conta ela, sentimentos esses que foram responsáveis por “ativar” sua vontade de criar.

O desejo de se tornar estilista ganhou corpo anos depois. Morando em Campo Grande e tendo que conciliar, emprego, casa e maternidade, Rebeca decidiu cursar Design de Moda. Seu percurso acadêmico foi marcado por dificuldades: o idioma, o cansaço e a rotina pesada a fizeram duvidar de sua capacidade inúmeras vezes. Ela conta que precisou refazer trabalhos, revisar exercícios e reescrever o trabalho de conclusão de curso até acertar. “Foi difícil, mas era muito gratificante quando diziam ‘agora sim, está certo, pode continuar’”, conta.

Na faculdade, aprendeu, sobretudo, que sua grande dificuldade não era desenhar, costurar ou modelar, áreas que ela já dominava. Era entender as cores: suas combinações, suas expressões e seus significados. Um desafio que ela superou praticando, observando e testando até que o olho memorizasse o que a teoria tentava explicar.


Hoje, esse olhar é parte essencial do Ateliê Shantal, marca batizada com sílabas dos nomes de duas de suas filhas mais velhas: Shan, de Sandra, e Tal, de Thais. O nome surgiu quando Rebeca, ainda costureira, levava para casa peças compradas em lojas que precisavam de ajustes e que nunca serviam direito no seu corpo e no das filhas. Foi ali que ela decidiu que um dia teria uma marca que acolheria corpos, sentimentos e histórias reais.

Com café quentinho e um bom tempo para conversa, é assim que as clientes são recebidas no Shantal. Elas se achegam compartilham suas dores, o desconforto de provar roupas que nunca servem, a frustração de entrar em lojas e sair de mãos vazias. Rebeca escuta e entra no imaginário de quem a procura e cria a partir dali o que melhor pode oferecer. Para ela, cada peça carrega sentimentos e o processo de criação nasce dessa escuta atenta. “Eu me sento com a cliente e tento entrar na imaginação dela, para  elaborar [uma peça], para ela se sentir confortável, para se sentir uma pessoa real, que não precisa se prender nas araras que tem apenas tamanhos padrões. Eu crio para pessoas reais”.

Branca, com mangas ondulares, um decote em formato de coração e um zíper resistente. Essa é a peça que melhor traduz o propósito de Rebeca, sua primeira criação da marca, hoje o carro chefe do ateliê. Pensada para esconder partes do corpo com as quais ela mesma tinha dificuldade de lidar, é uma peça que surgiu de vulnerabilidades transformadas em formas, curvas e autenticidade.

Ao lembrar dos momentos que guarda com mais carinho ao longo da carreira, vemos o olhar de Rebeca brilhar ao citar seu primeiro vestido debutante, feito para o aniversário de 15 anos de uma das filhas. Cada detalhe bordado,  flores desenhadas, sobreposições e babados, foi um desafio, muitos deles ela sequer sabia executar na época, mas ainda assim, insistiu até finalizar o modelo exatamente como imaginava. Hoje, esse vestido funciona como um marco íntimo e simbólico. É seu lembrete constante de capacidade, superação e identidade profissional. “Acredito que esse aqui é o meu ‘você consegue’, ‘você me fez’. Essa peça me lembra toda vez do que eu sou capaz”, relata.


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Legenda. Foto: Maria Eduarda Franco.



Entre moldes, zíperes e tecidos, Rebeca também costurou outra história: a de ser mãe solo de três meninas enquanto estudava e construía carreira. Hoje, a primogênita, Sandra, trabalha com ela e é gerente geral do ateliê. A filha do meio, Thais, herdou, além dos traços, o espírito empreendedor da mãe, e hoje tem uma loja online onde vende itens artesanais. A mais nova, Michele, diferente de Rebeca, se mostrou muito tímida, e junto das irmãs acompanha com orgulho e carinho o trabalho da mãe, que torce para que sigam seus próprios caminhos, mas espera, secretamente, que ao menos um pedacinho da Shantal continue nas mãos delas. “O que eu criei foi por elas e para elas. Eu tenho pra mim que elas não são obrigadas a seguir a minha área, mas espero que pelo menos uma das três pegue um pedacinho do que eu faço hoje”, conta.

Somando mais de 20 anos de carreira em solo brasileiro, ela ainda sonha grande. Quer uma loja física que acolha mulheres que, como ela um dia, não se encaixam em tamanhos padrão. Quer que as pessoas entrem, encontrem o que procuram e, se não encontrarem, saibam que ali alguém vai criar algo que faça sentido para seus corpos e suas histórias. Para quem está começando na moda, ela insiste que não se deve desistir. “É difícil, mas se você não arriscar, nunca vai saber”.


 Para quem deseja entrar em contato, é possível encontrá-la no seu instagram pessoal @estilista_rebecafebe ou no instagram do seu ateliê @shantal_atelie.


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Legenda. Foto: Emanueli Ovelar.

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