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Calamidade na saúde pública: falta de medicamentos básicos atinge Campo Grande

  • lauras05
  • 16 de set.
  • 6 min de leitura

Superlotação, demora no atendimento, desabastecimento e ausência de insumos marcam o descaso com a população


Maria Eduarda Amorim e Vitória Santos


Sem cadeiras para sentar, acompanhantes aguardam do lado de fora - Foto: Vitória Santos
Sem cadeiras para sentar, acompanhantes aguardam do lado de fora - Foto: Vitória Santos

Em comemoração aos 126 anos de Campo Grande, o Instituto Ranking Brasil Inteligência divulgou uma pesquisa sobre o nível de satisfação da população com os principais serviços públicos ofertados na capital de Mato Grosso do Sul. De acordo com os dados levantados, 45% dos participantes avaliaram o atendimento nas unidades de saúde como ruim ou péssimo, 33% como regular, 15% como bom ou ótimo, e 7% não souberam ou não responderam. Em relação à qualidade dos serviços em saúde pública, 46% avaliaram como ruim ou péssima, 35% como regular, 13% boa ou ótima e 6% não souberam ou não responderam.

O descontentamento da população se deve principalmente às dificuldades de acesso a medicamentos básicos e essenciais que deveriam ser distribuídos de forma gratuita nas farmácias dos postos de saúde, mas que com frequência estão em falta ou com estoque reduzido. Entre os principais medicamentos em falta estão os de uso contínuo (para pressão alta, diabetes ou colesterol, por exemplo), antibióticos e medicações básicas para tratar infecções respiratórias ou ansiedade generalizada. A escassez de medicações e insumos prejudica a qualidade do serviço que é prestado à população e consequentemente interfere de forma negativa no tratamento de doenças.

Segundo dados do painel público da Secretaria de Estado de Saúde (SES) sobre os indicadores de medicamentos de componente especializado disponíveis, há cerca de 78 medicamentos sem estoque na rede pública, entre os itens em falta estão: Caneta para aplicação de insulina, insulinas (para tratamento de diabetes), Lovastatina 20mg (controle de colesterol), Risperidona 1mg/ ml e 2 mg (Tratamento de esquizofrenia e transtorno bipolar) e morfina 10 mg e 30 mg (dores intensas). Esses medicamentos fazem parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), lista do Ministério da Saúde que define quais itens devem estar garantidos gratuitamente na rede pública de saúde.

 

E os pacientes, como ficam?

 

“A falta de medicamentos afeta muito a vida dos pacientes, principalmente aqueles que são mais vulneráveis. A principal consequência do tratamento irregular das doenças crônicas, são suas complicações, que muitas vezes levam a internações, perda da funcionalidade e autonomia.” afirma uma médica da rede pública de saúde que preferiu não ser identificada. Para as pessoas que convivem com a presença de doenças crônicas, o acesso a medicações adequadas é de suma importância e garantem melhores condições de vida.

 

“Eu não tenho mais saúde, eu tenho  que tomar remédio. O médico disse que eu posso ficar sem comer, mas sem remédio eu não vivo mais”

 

Dona Maria, de 64 anos, faz uso de nove medicações diferentes para tratar varizes, colesterol alto, diabetes e  problemas cardíacos. Moradora do distrito de Rochedinho, ela depende da Unidade de Saúde da Família Dr. Roger Buainain para pegar seus remédios, porém, neste mês, ao ir até a unidade, não conseguiu retirar todos que precisava. “Eu não consegui pegar o remédio pro colesterol e até hoje não comprei porque é caro”. Quando faltam medicamentos na unidade, ela tenta encontrá-los no Centro de Especialidades Médicas (CEM), no centro da cidade, porém na unidade os remédios também estão em falta. A ausência de tratamento adequado e contínuo faz com que a idosa viva com dores, pernas inchadas e dificuldades de locomoção, ficando impossibilitada de desenvolver suas atividades diárias e de cuidar da mãe de 90 anos que depende dela e também possui problemas cardíacos.

Ângela Garcia Morales, de 50 anos, paciente de diabetes tipo 2 e pressão alta, optou por custear os próprios medicamentos, pois estava cansada de recorrer à rede pública de saúde e não obter nas farmácias as medicações adequadas para seguir com seu tratamento.

 

“Os dois remédios que o médico passou não tem no sistema. A insulina Lantus custa R$112, e o remédio de pressão R$82, então assim ele só me passou remédio que não tem na rede… Eu vou tomar insulina pro resto da vida, então, eu vou pagar pelo resto da vida”

Falta de medicamentos e aparelhos interrompem tratamentos - Foto: Vitória Santos
Falta de medicamentos e aparelhos interrompem tratamentos - Foto: Vitória Santos

 

 A Secretaria Municipal de Saúde Pública (SESAU) disponibiliza em seu site a relação do estoque de medicamentos nas unidades. Sua última atualização de 06 de agosto de 2025 mostra que até medicações básicas como, bromoprida (para náusea e refluxo), dipirona sódica 500mg/ml, paracetamol 500 mg (analgésicos), amoxicilina 50mg/ml pó para suspensão e cápsula de 500mg (antibiótico), cloridrato de metformina 500 mg (para diabetes), agulhas e álcool etílico 70% estavam em falta na UBS Dona Neta. A carência de medicações vem sendo sentida por quem utiliza a unidade.

 

 “Aqui na UBS do Guanandi, o único problema que tá tendo é a falta de medicamento, recentemente eu precisei  tratar uma pneumonia, e fui em  três UBS e não consegui a medicação. Fui na do Caiçara, São Conrado e só consegui encontrar na do Jóquei Club, porque aqui não tinha.” Jéssica, paciente que aguardava por atendimento na unidade.

 

Segundo Robson Lima, assessor da Secretaria Municipal de Saúde (SESAU), o acompanhamento do estoque de medicamentos, escala de servidores e funcionamento de equipamentos das unidades ocorre de forma constante. Ele ressalta que as ocorrências de falta de medicamentos ou insumos são pontuais e normalmente estão ligadas a processos licitatórios ou atrasos na entrega pelos fornecedores, não sendo um problema contínuo ou generalizado.

 

As Unidades de Saúde da Família (USF) são responsáveis por prestar à população atendimentos primários, como exames de rotina, vacinação, ginecologista, odontologia e outros. Mas nos últimos três meses, a USF  Mario Covas (bairro Paulo Coelho Machado) sofre com a falta de compressores para prosseguir com os atendimentos odontológicos, que se encontram parados. Em março deste ano, o mesmo problema já havia sido relatado por moradores que frequentam a  UBS Dona Neta, localizada no bairro Guanandi.

 

O aumento da demanda por consultas e atendimentos de urgência nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) da capital e falta de leitos para internação, estão ligadas ao agravamento dos quadros que poderiam ser controlados com a medicação adequada e resolvidos nas USFs e UBSs. “ Os serviços das UPAs acabam ficando sobrecarregados, gerando demora nos atendimentos, também pelo perfil cultural da população, que associa o atendimento 24h como solução mais rápida, mesmo em situações que podem ser resolvidas na Atenção Primária”, aponta Robson Lima.

 

Sinara Cristina, de 56 anos, relata que procurou atendimento na UPA Coronel Antonino, pois estava com dores intensas no nervo ciático, e esperou cerca de 6 horas para ser atendida. Segundo ela, a situação é frequente na unidade.


“Cheguei aqui às 10h da manhã e tô saindo agora às 4 e pouco da tarde.”

Andrey, de 23 anos, procurou a mesma unidade, pois estava com dor nos braços após sofrer uma queda.

“Eu cheguei aqui era 10 horas da manhã, fiz um raio x 11:00 horas, e fui chamado na triagem meio dia, para ser atendido às 16:30 da tarde. Pra piorar não tinha nem o remédio que ela me receitou.”

 

 

Na UPA Universitário, Josiele de 24 anos e seu pai de 54 anos, passaram por momentos de muita tensão na última sexta-feira (28). O idoso deu entrada na unidade com sintomas de infarto: dores no peito, na cabeça e mal estar, embora o caso fosse grave  a médica que os atendeu passou apenas um exame para confirmar as suspeitas e pediu para que ele aguardasse a liberação de um leito. Durante a espera o senhor de idade já avançada passou mal e teve um desmaio, a cadeira onde estava sentado acabou cedendo, e segundo a filha quem ajudou a socorrer o pai, foram as próprias pessoas que aguardavam por atendimento.

 

“ Ele já deveria ter sido internado no momento que passou pela médica e eles esperaram ele desmaiar aqui, aguardando fazer um exame para comprovar mesmo que era infarto pra poder levar ele para dentro, para poder internar ele.”

 

A entrevista realizada com Josiele ocorreu às 20h30 da noite, em frente a unidade, e ela alega que  ainda estava no aguardo de uma transferência e que durante esse tempo o sistema do hospital havia caído.

 

“Não deram nenhuma resposta se tinha um leito para ele, e eu estou aguardando, porque que ainda não foi feita a transferência. Na verdade eles falaram que caiu o sistema, está sem sistema, mas desde de manhã o sistema estava normal, o sistema caiu agora à noite então já era para ter sido feita essa transferência.”

 

Esses fatores revelam a precarização do Serviço  Único de Saúde (SUS) e descaso com a população, quando os mais afetados são aqueles que moram em regiões pobres ou afastadas, vivem expostos a algum tipo de vulnerabilidade e consequentemente enfrentam mais dificuldades para acessar os serviços de saúde.

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