História, cultura e tradição de uma Comunidade Quilombola
Texto e fotos: Cássio Nantes, Maria Amorim, Vitória Santos
Entre histórias e cultura, morros, serras e lindas paisagens, o quilombo Furnas do Dionísio resiste à passagem do tempo enquanto preserva os ensinamentos deixados pelo fundador. A produção artesanal de rapadura se entrelaça com a história e a trajetória dos descendentes do fundador Dionísio, marcando a tradição da comunidade quilombola. Sendo muito mais do que um simples doce, a rapadura é um símbolo de resistência, cultura e identidade de um povo alegre e festivo. Tão familiar nas feiras, e no cotidiano da comunidade, a rapadura representa a conexão desse povo com suas raízes, e também tem sido o meio de sustento de muitos moradores.
Na comunidade, o processo de produção se inicia nos canaviais, sob o sol escaldante, foices e facões desbravam as extensas plantações e de forma manual, homens e mulheres fazem o corte do que dará origem à rapadura e outros derivados. A paisagem local, composta por aroeiras, ipês, angicos, barus, jatobás e flores rasteiras dão espaço para conversas sobre o cotidiano e acontecimentos recentes, conversas simples que compensam o cansaço adquirido durante o processo de corte - e logo um amontoado de cana está limpo e pronto para a próxima etapa. O carregamento que hoje é feito utilizando reboques de madeira, puxado por tratores, substitui o modelo antigo usando bois e cavalos que realizavam o trabalho pesado. Apesar da existência de novas ferramentas que possibilitaram o aumento da produtividade, parte do processo ainda é feito de maneira artesanal, como forma de preservação da herança cultural.
A rapadura é feita a partir do caldo da cana-de-açúcar, conhecido na comunidade como garapa, extraída no processo de moagem. O engenho mecânico, hoje funciona utilizando energia elétrica, uma moderna atualização do engenho antigo, antes movido por força animal ou manual. Enquanto moem cana por cana, os produtores são cercados por árvores, vacas e cavalos, paisagens de fundo dignas de cartões postais. Ali entre serras e morros, no coração da comunidade, mais um processo está se finalizando, enquanto outro se inicia, a decantação, que retirará da garapa todas as suas impurezas.
Dentro da pequena agroindústria, aquecida pelo calor das fornalhas à lenha, a garapa começa a ferver, até que atinja o ponto do melado. O pequeno espaço quente e mal arejado, é palco para mais uma série de conversas e sorrisos, muitas vezes compartilhados entre familiares ou amigos que trabalham na produção de forma conjunta. Enquanto o suor escorre por seus rostos, fatigados, o líquido dourado começa a ganhar forma, seu cheiro doce, e caramelizado perpassa o ambiente, anunciando o fim de mais um processo.
Este líquido espesso dará origem às mais diversas possibilidades de sabores e texturas, como o melado de garrafa, o açúcar mascavo e até a tradicional rapadura simples, como é chamada pelos produtores, e as mais improváveis combinações, como cana com baru, gengibre, banana, abóbora e até mesmo café. Despejadas em moldes de madeira para esfriar e atingir a forma de tablete, o trabalho árduo se materializa em um doce robusto e marcante, que atrai o gosto do público.
Após passar por longas etapas, a rapadura produzida é vendida dentro da comunidade ou distribuída para regiões próximas. Esse produto que se tornou tão importante para a história e a cultura da comunidade, deu origem ao Festival da Rapadura, a fim de fomentar e movimentar a economia local, ocorrendo anualmente durante o segundo final de semana de agosto. A festividade reúne artesãos e produtores da comunidade e região, turistas das mais diversas partes, moradores e até curiosos de plantão, que são atraídos pela fama da rapadura, das cachoeiras e paisagens do lugar. Marcada por cores alegres, muitas conversas, comidas típicas, na feira são vendidas as rapaduras de furnas e outros derivados da cana, farinha de mandioca, broa, sucos, pastéis, doces caseiros e itens variados como peças artesanais e brinquedos.
A festança também é marcada por apresentações culturais que ocorrem nos dias de festival, que variam entre bailes de vaneira e chamamé, as danças locais como a do Engenho Novo, em que é formada uma roda e os pares vão se alternando e girando, representando as engrenagens do engenho de cana conforme a música tocada à base de sanfona, violão e pandeiro. As rapaduras vendidas têm sabores diversos e adocicados, cada uma contribui para a preservação do legado deixado pelo fundador e simboliza a força de um povo, que mesmo diante de situações adversas, busca se manter, preservando suas raízes.
Comentários