As diversas paixões de Andréa Brunetto
Helena Fernandes
Andréa Brunetto e sua amante: a literatura. Foto: reprodução Correio do Estado
Ela é uma mulher de meia idade, elegante, bem humorada e cativante. Quando me recebeu, usava um vestido vermelho, saltos e seus característicos óculos. Seu consultório, no centro da cidade, tão elegante quanto ela, é decorado com estantes repletas de livros e móveis rústicos de madeira: uma mesa com uma cadeira próximas à porta de entrada, duas poltronas confortáveis, uma de frente para outra – onde nos sentamos para a entrevista – e um divã em frente à janela; tudo parecia ornar muito bem com o espaço e com a pessoa que o dispôs daquela forma.
Descrevo Andréa Carla Deuner Brunetto, psicanalista, escritora e viajante; autora de Psicanálise e Educação (2008), Sobre Amores e Exílios (2013), O Diabo e Suas Máscaras (2023), Agora Sou Medeia (2023) e de muitas crônicas em seu blog. Com todas essas facetas, Andréa Brunetto ainda consegue conciliar muito bem suas paixões em seus trabalhos.
Encontrei-me duas vezes com Andréa Brunetto: a primeira vez, para um podcast no Lado B, cujo tema era o amor. Na época, não sabia direito de quem se tratava e não tinha muita noção de seu trabalho. Fiz a pesquisa necessária para a gravação e, conforme ia encontrando mais e mais coisas sobre ela, ia considerando sua persona cada vez mais interessante. Brunetto é uma mulher inteligente e bem humorada, com uma extensa bagagem cultural e intelectual; isso ficou claro, não só durante a pesquisa, mas também no decorrer da gravação do episódio. Nosso segundo encontro, brevemente relatado no parágrafo inicial deste texto, se deu para uma entrevista ping pong, marcada com antecedência. Dessa vez, já tinha uma maior noção de quem era a mulher. Ela me recebeu em seu escritório com muita simpatia e solicitude, do tipo que um estudante de jornalismo no início da faculdade não espera de alguém de tamanha importância.
A esposa e a amante
Andréa Brunetto entrou na faculdade de Psicologia aos 15 anos, já tendo noção de que era isso que ela queria. A psicanálise, porém, só passou a ser considerada, mais tarde, após um congresso em Belo Horizonte, quando ela escutou pela primeira vez sobre Jacques Lacan e voltou a Campo Grande com seus livros. Nesse mesmo congresso, ela conheceu também quem viria a ser seu psicanalista por mais de duas décadas adiante e a inspirou a entrar na escola de psicanálise para fazer formação.
Sua trajetória como escritora, por outro lado, iniciou-se quando pediu desligamento da educação especial do estado e sentiu que seus 10 anos de experiência no trabalho precisavam ser registrados. Assim nasceu seu primeiro livro, Psicanálise e Educação. Todavia, mesmo após a publicação, Brunetto não esperava que sua jornada com a literatura fosse expandir muito adiante.
– Eu ainda não tinha ideia de ser uma escritora de vários livros; foi esse e pronto.
Anos depois, porém, após algumas falas sobre psicanálise e literatura em um sebo chamado “Subcultura”, Brunetto notou que já tinha o suficiente para cinco capítulos de um livro. Nesses eventos, ela enfatizava alguns autores que falavam sobre amor e outros sobre a condição de exilado; daí surgiu Entre Amores e Exílios.
Apenas 10 anos depois, em 2023, foram publicados O Diabo e Suas Máscaras e Agora Sou Medeia. O primeiro surgiu quando um dos piqueniques literários organizados por Brunetto, cujo tema era pactos com o diabo, não compareceram muitas pessoas. Ela então, ao perceber que o diabo era um tema sensível para o público, leu uma série de livros sobre o tema e o relacionou com o Freud e Lacan. Já Medeia surgiu a partir de um questionamento feito por ela enquanto escrevia Diabo.
Embora sua escrita esteja fortemente relacionada ao seu trabalho com a psicanálise, Brunetto admite que não gostaria que sua produção literária estivesse exclusivamente vinculada a esse campo. Ela expressa o desejo de escrever outras obras que não abordam a psicanálise.
– Eu me lembro de um escritor que eu adoro, o Anton Tchekhov. Ele diz: "Eu tenho uma esposa e uma amante: a esposa era a medicina, minha amante, a literatura. Eu vou ficar com as duas." E ele conseguiu ficar com as duas. Eu ainda não estou conseguindo; estou só com a psicanálise. Eu ainda não estou… assim, de escrever literatura.
– A psicanálise é a esposa ou a amante?
– Pois eu não sei. Eu acho que é a esposa, porque ocupa muito minha vida.
O amor
-– Andréa é uma apaixonada. Apaixonada por sua família, pelas suas amigas e amigos, por sua clínica psicanalítica, pelo estudo, pelos idiomas, pela literatura e por viagens. É um espírito itinerante que sempre será lembrado de seu lugar e suas raízes, que sabe ir e voltar. — Escreveu Fernanda Zacharewicz, amiga e editora de Brunetto, no prefácio do livro O Diabo e Suas Máscaras.
De fato, suas paixões e, mais especificamente, o amor são temas muito recorrentes em toda a obra literária de Brunetto. O amor se faz presente em todos os quatro livros publicados da autora – até mesmo em Agora Sou Medeia (2023), um livro sobre ódio e vingança, o amor acaba se tornando um tema muito mais central do que ambos, pois, segundo Freud, o ódio frequentemente surge com a função de continuar a amar, o amor enviscado no ódio. Ela acredita que sua fascinação pelo tema do amor decorre de sua experiência cotidiana na clínica, onde escuta frequentemente histórias de amor – tanto as que deram certo quanto as que não deram – além dos desencontros amorosos vividos por seus pacientes.
– Então agora eu estou escrevendo sobre Lacan e a escrita chinesa, é o que eu tenho pesquisado no momento… Eu tô até estudando mandarim.
– Sério?
– Faz três meses que eu tô estudando.
– É muito complicado?
– Demais! É uma coisa louca!
– Tem até versão simplificada e clássica, né?
– Tem… Mas eu tô estudando a versão clássica. Arranjei uma professora maravilhosa, uma mulher de Taiwan que mora aqui há dezessete anos e eu tô… tô estudando.
Andréa Brunetto não tem medo de mergulhar de cabeça em suas paixões e está sempre disposta a se aprofundar ao máximo assuntos que pretende abordar. Enquanto escrevia O Diabo e Suas Máscaras, ela revela ter lido uma “pilha” de livros sobre pactos com o diabo. Além disso, ela também passou a estudar sobre a história da China e o próprio idioma para seu próximo livro.
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