Pontos turísticos revelam a identidade cultural de Campo Grande
- lauras05
- 23 de mai.
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Locais históricos mostram a trajetória e a diversidade que moldam as características da capital morena, mas a falta de manutenção dos espaços é evidente
Arthur Ayres, Gabriel Issagawa, Geovanna Bortolli e Sarah Neres

São 125 anos de história. Os marcos do início de sua trajetória, entre trilhos da estrada de ferro e idas e vindas de diversas etnias, deixaram suas marcas nos cantos de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul. É uma cidade que se revela não apenas nas avenidas largas, no sotaque caipira misturado ao urbano e nos tons rosados que pintam o céu da capital sul-mato-grossense no final de tarde.
Tudo começou em 1899, quando o mineiro José Antônio Pereira chegou às margens do córrego Prosa e criou as raízes do que viria a ser Campo Grande. Trouxe com ele escravizados negros e indígenas para trabalhar em sua fazenda, hoje transformada no Museu José Antônio Pereira, localizado na Avenida Guaicurus, nome que carrega carga histórica ao remeter aos povos originários. O lugar se chamava Arraial de Santo Antônio. Mas, foi a paisagem, e os grandes campos abertos que encantaram o fundador que acabou batizando a cidade, Campo Grande.
Atualmente, para muitos, Campo Grande é conhecida como Capital Morena devido à cor avermelhada de seu solo, rico em óxido de ferro (Fe₂O₃). De acordo com a Revista Arca, publicada pelo Arquivo Histórico de Campo Grande, o apelido foi popularizado em 1930 pelo Arcebispo Dom Francisco de Aquino Corrêa (1885-1956).
Diversidade é uma característica de Campo Grande, a cidade nasceu da mistura de imigrantes libaneses, sírios, turcos, japoneses, paulistas, mineiros e gaúchos. Junto às comunidades quilombolas e os povos indígenas, todos moldaram, com suas culturas, os contornos da capital sul-mato-grossense. Essa confluência pulsa nos pontos turísticos e na memória coletiva de quem vive ali.
O historiador Bruno Blini comenta que a Comunidade Tia Eva e o Memorial da Cultura Indígena foram fundamentais para a formação cultural da cidade. “Temos reconhecimento de patrimônio em relação à estação ferroviária, a feira, o Museu José Antônio Pereira, o próprio Parque das Nações Indígenas. Mas, a questão do Memorial da Cultura Indígena, que é importantíssimo para nós entendermos a nossa identidade cultural, e a comunidade Tia Eva ainda não estão reconhecidas quanto às demais”, afirma.
A criação dos novos pontos turísticos da capital
Atualmente, a capital conta com pontos de lazer históricos e modernos, como o Parque das Nações Indígenas, inaugurado no início dos anos 1990, que oferece estrutura de lazer, esporte e biodiversidade às margens da nascente do córrego Prosa. No parque, estão localizados monumentos e pontos de pesquisa, como o Museu de Arte Contemporânea e o Museu Dom Bosco. Na mesma região, a principal avenida da capital, Afonso Pena, está localizado o maior aquário de água doce do mundo, o Bioparque Pantanal, ponto turístico mais moderno de Campo Grande, inaugurado em 2022.
Contudo, a história começou de maneira controversa. A obra iniciou em maio de 2011, na gestão estadual de André Puccinelli, condenado por improbidade administrativa em 2021. A obra era prevista para durar 900 dias, porém só foi entregue em março de 2022, quase 11 anos depois, na gestão de Reinaldo Azambuja, que está com as contas bloqueadas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Um dos monumentos que contam a história de Campo Grande, está no coração da cidade e presente no dia-a-dia dos campo-grandenses, o relógio da rua 14 de Julho, escultura feita em perfis metálicos, sendo totalmente vazada, mas com detalhes que remetem ao relógio original, removido na década de 1970. O relógio foi instalado onde ficava o relógio original, no cruzamento da rua 14 de julho com a avenida Afonso Pena, no centro da cidade.


Abandonos dos pontos turísticos
No entanto, muitos desses locais, atualmente, têm se transformado em pontos de lixo e abandono. A negligência, tanto por parte do poder público quanto da própria população, tem resultado em sucateamento de espaços históricos que carregam a memória e identidade da cidade.
Embora a capital apresente sinais de melhora nos últimos anos, áreas centrais de lazer acabam esquecidas pelo poder público e também pela população. O Centro de Belas Artes de Campo Grande, projeto em andamento desde 1991, com o objetivo de se tornar a nova rodoviária da capital, foi alterado para Centro de Belas Artes com a finalidade promover a cultura da capital, com salas de dança, música e teatro. Entre gestões municipais e estaduais, é arrastado por promessas de conclusões e revitalizações, a atual licitação para terminar a obra foi vendida por R$7,7 milhões.

Na mesma rua Plutão, onde está localizado o Centro de Belas Artes, inicia a Orla Morena, ponto de corridas, pedaladas e atividades físicas na região central de Campo Grande, porém a falta de manutenção e cuidados do poder público, afasta a população. Ryan Badinelli, estudante e morador da Vila Planalto, na região da orla morena, afirma que deixou de correr diariamente pela falta de segurança e manutenção, “Eu corria diariamente, mas tem muito mato, as vias de corridas estão esburacadas e fora a falta de iluminação. Agora prefiro fazer meu cardio na esteira mesmo, na academia”.
A Orla Morena tem dois quilômetros de extensão, com barracas de comércio por toda ciclovia, vendas de artesanatos e comidas, como uma feira. Os horários de maior movimento são aos finais da tarde, quando a população admira o pôr do sol com o tereré bem gelado ao lado.

Vozes que construíram os pontos turísticos da Capital Morena
A ferrovia foi a porta de entrada de várias culturas na cidade, as primeiras estruturas em 1914, da ferrovia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Em 2004, com a retirada dos trilhos da cidade, a estação foi completamente desativada como meio de transporte de passageiros e carga. Atualmente, o local é patrimônio da prefeitura de Campo Grande, o prédio é palco de eventos culturais, com exposições e shows.
Após 20 anos de desativação, a memória da ferrovia é preservada pela Associação dos Ferroviários, Aposentados, Pensionistas, Demitidos e Idosos (AFAPEDI), por um pequeno museu de equipamentos na recepção da estação. José Melquiades Velásquez, ex-ferroviário e Policial Rodoviário aposentado, é um dos precursores da construção da Ferrovia Noroeste do Brasil, e atualmente é secretário na sede da associação. “E o material que nós temos hoje da malha ferroviária foi tudo resgatado de nosso. Não temos apoio de ninguém que possa vir aqui abraçar essa causa. Porque aqui onde tudo começou. É a história mesmo, aí a gente mesmo que faz”.
A estação ferroviária foi tombada como patrimônio histórico pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2009. O prédio permanece inalterado em sua estrutura original, e evidencia a falta de manutenção e negligência com a estrutura. O trabalho de manutenção do local fica sob responsabilidade dos próprios ferroviários. “O IPHAN faz parte dessa história, né? Ela dá um suporte de de tá aqui junto com a gente. e de ter uma melhoria circular, mas não assim em termo financeiro. Porque em termo financeiro é só para a própria AFAPEDI mesmo. Em termo de limpeza, de organização nós mesmo fazemos o trabalho”, afirma o ex-ferroviário.
A historiadora Maria Madalena trabalha no Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul (IHGMS), localizado na Vila Ferroviária de Campo Grande. Ela comenta que a região ferroviária, incluindo os trilhos de trem e os prédios, está abandonada. “Nossa questão cultural, de uma maneira geral, acaba sendo deixada de lado”, afirma. A área é muito utilizada durante o carnaval de rua, o que atrai muitas pessoas para o local, mas nem sempre isso é algo positivo, já que a própria população não cuida do ambiente. “Eles dão prejuízo, porque reúne cerca de 15 a 20 mil pessoas aqui na frente, arrebentam toda essa cerca. Esse lugar aqui tem que ser preservado”, reforça a historiadora.



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