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O que os olhos não veem

  • lauras05
  • há 6 dias
  • 6 min de leitura

Os estereótipos e estigmas dos transtornos e doenças ocultas


Ana Beatriz Leal, Ingrid Protásio, Mariana Pesquero e Raíssa Rojas


Uma dor de cabeça diária, um incômodo nas costas, uma palpitação no coração ou até mesmo um sentimento que você nunca conseguirá definir. Esses são sintomas que alguns sentem, mas poucos veem. 

Se você pesquisar no Google o termo “doenças invisíveis”, a inteligência artificial vai te oferecer a seguinte resposta: “também chamadas de deficiências ocultas, são aquelas que não apresentam sinais físicos evidentes. Elas podem afetar a vida da pessoa, causando dificuldades e incapacidades”. Ele também te dá alguns exemplos de doenças e transtornos: depressão, ansiedade, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Espectro Autista, fibromialgia, lúpus, HIV, hipertensão e esclerose múltipla entre outras doenças. 

Elas estão nas pessoas mais comuns, no dia a dia de amigos ou conhecidos que às vezes nem imaginamos. O que esse resumo não fala, contudo, é que quem sofre com as doenças ocultas passa por dificuldades que vão além das proporcionadas pela deficiência. Por não ser vista, a falta de credibilidade perpassa a vida dessas pessoas, e o preconceito é manifesto pela falta de conhecimento. E quais são os direitos desses transtornos e doenças que ninguém vê? 

A advogada especialista em direito médico da saúde, Raíssa Duailibi, reitera a importância de compreender os seus direitos. “Essas pessoas precisam procurar o poder judiciário para que de fato exija esses direitos. Então, isso é muito comum, diariamente a gente acaba judicializando questões de saúde, questões de segurança, questões de educação e várias outras”, explica ela sobre a busca legal necessária. 


A advogada explica que o autismo é um transtorno oculto amparo por lei Foto: Ingrid Protásio
A advogada explica que o autismo é um transtorno oculto amparo por lei Foto: Ingrid Protásio

Tão novinha e tá sentindo tanta dor assim? 


Marcilene Pelzl, 47 anos, assessora técnica aposentada da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), começou a sentir dores muito intensas aos 35 anos. No início eram dores musculares, depois sentia muitos os ombros e o pescoço. Assim se passaram três anos, acreditando que tudo isso era fruto de noites mal dormidas ou de esforço repetitivo, devido à sua profissão. Depois, mais dois anos tentando entender o que sentia e fazendo vários exames para descartar a possibilidade de outras doenças. Até que, durante mais um ano na busca incansável por um diagnóstico, descobriu a fibromialgia.



Marcilene lida com a fibromialgia há 12 anos. Foto: Raíssa Rojas
Marcilene lida com a fibromialgia há 12 anos. Foto: Raíssa Rojas

“Eu nem conhecia essa doença até receber o diagnóstico. Desde então, são muitos anos tentando aprender sobre ela”, explica Marcilene. Suas dores, mesmo que físicas, não eram visíveis para quem a olhava. Enquanto passava por tudo isso, já se sentiu discriminada em postos de saúde quando buscava atendimento. “Ninguém fala que eu sinto alguma coisa, e agiam como se eu estivesse inventando uma doença. Eu cheguei a ouvir da enfermeira: ‘tão novinha e tá sentindo tanta dor assim?’ ”.

Ela relembra que as dores já foram tão acentuadas que os remédios mais resistentes, como tramadol ou morfina, já não faziam mais efeito. Algumas consultas até pareciam sem sentido. Em um atendimento, escutou que “no exame não tem nada que justifique você estar com essa dor”, seguido de “eu não tenho mais o que fazer, você chegou ao fim da linha”. 

Foi um choque quando ela ouviu do médico, aos 39 anos, que teria que parar de trabalhar. Marcilene conta que precisou fazer terapia para aceitar e aprender a lidar com a doença. Também começou exercícios físicos, para fortalecer o corpo e a mente, e afirma que isso, aliado ao apoio da família, foi o que trouxe a sua melhora.  A fibromialgia não tem cura, mas pode ser controlada com tratamento. Hoje em dia, Marcilene se sente muito mais saudável. “Eu sinto dor todos os dias, mas antes, eu sentia dor todos os dias em todos os instantes”. 

Ela explica que tentou vários procedimentos e foram muito eficazes, mas não pôde manter todos. “É um sentimento de impotência, os tratamentos são caros e a rede pública não fornece”, lamenta. O único direito que conhece, e usufrui, é da carteirinha para estacionamento preferencial. 


Você não parece autista


Isabela Batista de Souza Nunes, 26 anos, estudante de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), é diagnosticada com espectro autista nível 1 de suporte. Durante sua infância e adolescência, dificuldades de socialização e interações sociais eram suas principais dificuldades, o que a levou ao quadro de depressão e ansiedade. Enquanto tratava tais doenças, a psiquiatra detectou alguns comportamentos parecidos com o autismo e a recomendou o teste.  

A Lei Berenice Piana, n° 12.764/12, reconhece o autismo como deficiência para todos os efeitos legais. A advogada explica que muitas pessoas recebem o diagnóstico e não sabem o que fazer, para onde ir ou como começar. “Você não consegue enxergar que aquela pessoa é autista. As famílias e os autistas acabam passando muitas violações de direitos, discriminação e capacitismo”.

Ela explica que o autismo não tem “cara” e que o diagnóstico pode ser feito de uma forma clínica, sem um único exame laboratorial ou de imagem. Formas de suporte, como terapias psicológica e fonoaudiológica podem ser oferecidas, mesmo sem o primeiro diagnóstico.

A estudante nunca tinha associado algumas dificuldades de interação,  relações sociais e suas necessidades de uma rotina extremamente organizada com o transtorno, mas após o diagnóstico, muitas coisas começaram a fazer sentido. “Hoje consigo identificar as minhas necessidades e as características que eu tenho e antes eu achava que era só coincidência". 

A rede de apoio de seus familiares e de amigas também diagnosticadas, foram fundamentais tanto no diagnóstico quanto para os suportes necessários para seu dia a dia. Porém, alguns preconceitos e estereótipos atrelados ao transtorno podem vir de lugares inesperados, como no caso da Isabela, que foi interrogada pelo neuropsicólogo durante o teste. “Senti nele um pouco de intolerância, ele interrogava como era para mim alguma situação e falava que para um autista de verdade não seria assim, tentava invalidar”. 

Após o diagnóstico, a estudante também passou por uma situação que muitas pessoas que obtêm algum tipo de doença oculta estão sujeitas a enfrentar. Na fila preferencial do aeroporto foi questionada por uma mulher que a abordou perguntando se estava gestante. “Acho que as pessoas têm que ter um pouco de conhecimento, acho que quanto menos a pessoa sabe, mais intolerante ela vai ser”, relata Isabela. 

“Muitas famílias não têm noção dos seus direitos básicos. Elas não estão preparadas para receber um diagnóstico”, explica a advogada. A informação é o maior meio de inclusão. Isso faz parte das crenças mais firmes de Raissa Duailibi, e foi como forma de orientar e ajudar esses grupos que se tornou presidente da Comissão de Defesa do Direito da Pessoa com autismo da OAB/MS. 

“Porque a gente sabe que muitas famílias pensam: "Nossa, mas não vai dar em nada. Ou então se eu demorar na justiça ou se eu demandar na justiça não vai conseguir. É custoso, e demorado. Infelizmente, outras pessoas passam por essa situação. Então a gente precisa, sim, incentivar que em caso de violação, procure seus direitos”. A advogada conta que as principais violações neste caso são no âmbito da educação, da saúde e da segurança. 

Para ser possível criar um cenário de conscientização, é necessário o conhecimento desses casos, fugir da ignorância e lembrar que a discriminação não será impune. Situações como recusar a matrícula escolar de uma criança pelo seu transtorno, não devem ser toleradas. “Então é preciso entender que nesses casos de recusa e muitos outros casos que caracterizam uma discriminação, ela é plenamente passível de multa, né, administrativa e também pena”.


Você tem TDAH ou viu no TikTok que tinha?


Hoje em dia, “todo mundo” tem TDAH, basta perder o foco em determinada tarefa que o autodiagnóstico já está pronto. Porém, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade precisa ser diagnosticado e avaliado através de testes feitos por médicos neurologistas ou psiquiatras. Entre suas principais características está a dificuldade em focar nas atividades do dia a dia, hiperatividade e inquietação. 

Nathana de Souza Nunes, 20 anos, recebeu o diagnóstico  quando começou a ter crises de depressão. Durante seu tratamento, sintomas relacionados ao transtorno a levou a fazer o teste e assim receber o diagnóstico. “A gente nunca desconfia, né? Mas é algo que quando um médico fala e um neuropsicólogo fala também todos os sintomas, a gente começa a ver que tem desde pequenininho mesmo os sinais”.

O auto diagnóstico de TDAH e a falta de conhecimento sobre esse transtorno fazem com que muitos passem por situações de desprezo e desconfiança. “Eu sinto que hoje, quando eu falo que tenho TDAH, as pessoas dizem “Mas todo mundo tem hoje em dia”. Ou também, “mas você tem TDAH mesmo ou viu no Tiktok que tinha?”

Nathana destaca que quando recebeu o diagnóstico, alguns se direcionaram a ela com um tratamento diferente. “Me tratavam com pena, principalmente na época da escola, quando eu recebi o diagnóstico, tinha gente que falava: "Ah, então é por isso que você não estava tão bem". 



Nathana e Isabela são irmãs e compartilham as dificuldades de lidar com os transtornos. Foto: Mariana Pesquero
Nathana e Isabela são irmãs e compartilham as dificuldades de lidar com os transtornos. Foto: Mariana Pesquero

 Com o intuito de facilitar a identificação de pessoas portadoras de doenças ocultas, foi determinada em 2023 a Lei  nº 14.624/2023, que adicionou o uso do cordão de girassol como uma forma de melhor identificação e acesso de benefícios e auxílios a essas pessoas estabelecidos por lei.  O cordão de girassol facilita a obtenção desses direitos principalmente para doenças e transtornos que não tem legislação específica. 




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