Jardim medicinal: pesquisa alia saberes indígenas e da medicina tradicional
- Karita Emanuelle Ribeiro Sena
- há 51 minutos
- 5 min de leitura
Projeto de pesquisa de MS é pioneiro em estudos com medicina indígena para produção de fitoterápicos

Tekoha é uma palavra em Guarani que significa lugar de vida e que alia saberes tradicionais e boas práticas com o meio ambiente. Conjunto de crenças milenares entre as comunidades tradicionais do país, a medicina indígena encara a saúde do planeta, a grande aldeia em que vivemos, como diretamente relacionada à saúde humana. E é da integração entre saberes originários com a medicina que nasce o Farmácia Viva, programa do governo federal pioneiro em estudos com medicina indígena no país e que em Mato Grosso do Sul tem no projeto Jardim Medicinal a produção pioneira de fitoterápicos.
A iniciativa foi promulgada em 2010 no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) como uma estratégia para ampliar o acesso seguro e de qualidade da população a esse tipo de medicamento. No Estado, a farmácia é administrada por pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e Secretaria Estadual de Saúde (SES).
A Farmácia Viva realiza todas as etapas necessárias para produção de preparações e oficinas de plantas medicinais e fitoterápicos, envolvendo cultivo, coleta, processamento, armazenamento, manipulação e dispensação de plantas medicinais. Para promover um espaço de diálogo entre universidade, povos originários, pesquisadores e profissionais da saúde, o programa capacita indígenas nas preparações farmacêuticas, respeitando autonomia cultural e conhecimento local, a partir da aproximação com a pesquisa científica.
Em Mato Grosso do Sul, a população indígena é de 116.469 pessoas, o que representa 4% da população. Uma das maiores populações indígenas é a etnia Guarani Kaiowá, um dos focos do projeto.
Indígena da comunidade Limão Verde, de Dourados, Josi Guarani-Kaiowá, participa do projeto de pesquisa Jardim Medicinal, por meio da Farmácia Viva. A estudante de Enfermagem está entre os acadêmicos que realizam estudos de estruturação de um horto comunitário para reconhecer saberes tradicionais de cura advindos de líderes de sua aldeia. “Alunos da escola (da aldeia) têm a responsabilidade de fazer a busca das espécies nos quintais. Aqui (UFMS), a gente também tem a responsabilidade de levar mudas para lá. Eles estruturaram a área, nivelaram, fizeram o espaço do horto e agora a gente está nesse momento de plantar”, explica.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Medicina Tradicional, Complementar e Integrativa (MTCI) refere-se à diversidade de práticas de atenção à saúde primária através de experiências de vida de diferentes culturas. Esse modelo de cuidado diagnostica, trata e previne doenças físicas e mentais.
A professora de Farmacobotânica na UFMS e coordenadora do programa Farmácia Viva no Estado, Soraya Solon, desenvolve com a equipe desde o início do ano estudos com plantas medicinais em uma área de 1 hectare da universidade. A partir de editais de financiamento de pesquisas do Ministério da Saúde, foram selecionados cinco projetos em 2024 para auxiliar os estados e seus municípios a instituírem as suas farmácias vivas.

Solon comenta que os objetivos para a realização dos estudos servem para que esses tratamentos de cura sejam aplicados com a medicina convencional, a partir da aproximação da pesquisa científica. “A gente cultiva a planta e a recebe colhida, em larga escala, e depois será selecionada em ambiente limpo. Esse produto seco é processado para chás: o capim-cidreira e a colônia são para para destinar para a população na forma de planta seca, o que a gente chama droga rasurada. O guaco seco será levado para a farmácia escola", exemplifica.

Com o avanço da pesquisa, parte foi implementada como um Jardim Medicinal em duas comunidades indígenas do Estado: a Limão Verde e a Buritizinho. Nos territórios indígenas, há uma equipe de trabalho formada por membros da aldeia que são alunos da UFMS. A composição desses indígenas para o grupo de pesquisa surge da identificação e do diálogo com o idoso especialista indígena de suas aldeias, aquele que conhece as plantas medicinais. Outro ponto é a organização para ir às casas fazer esse registro como metodologia.
“Eles têm idosos que têm quintais medicinais. Algumas famílias têm as suas plantas nos seus quintais. Quando falo em produto medicinal vindo de planta, o Ministério reconhece o produto tradicional fitoterápico. Ele considera que plantas com mais de 20 anos de registro como medicinal na literatura, já é uma planta que não precisa do registro como medicamento fitoterápico”, esclarece Solon.
Dados do levantamento epidemiológico de 2020, parceria entre Ministério da Saúde e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstram que a fitoterapia lidera o pódio do uso de medicinas alternativas. A estimativa é que 82% dos brasileiros usam ou já usaram produtos à base de plantas medicinais para cuidar da saúde. Ainda assim, há um gargalo do Ministério da Saúde sobre a prescrição e dispersão de fitoterápicos, segundo Renata Trentin, responsável pelos eixos de consulta farmacêutica da pesquisa.
O conhecimento dos povos originários é essencial para a consolidação dos estudos fitoterápicos de uso medicinal. A medicina indígena engloba saberes de recursos naturais para o tratamento de doenças. Segundo Trentin, o projeto de pesquisa capacita a população para compreender as indicações de consumo dos fitoterápicos. “Idosos geralmente têm dores articulares, então a gente fala para eles como usar. O indicado pode ser aquelas plantas como a erva-baleeira, que são anti-inflamatórias. Nessa parte doméstica, a gente trabalha para a pessoa saber o que pode consumir e que tem efeito colateral e não”.

A professora da UFMS e especialista em prescrição de fitoterápicos compartilha que o uso terapêutico e seguro de plantas medicinais é benéfico para a população e precisa de incentivos. “A gente precisa de muito apoio. Isso é fato. Há muito para se fazer ainda, mas há interesse de várias formas, tanto da parte do governo, quanto de instituições e associações da saúde. A capacitação que respondo é para capacitar farmacêuticos, enfermeiros, nutricionistas e todos aqueles que podem prescrever fitoterápicos, inclusive os médicos”.
A parceria com a SES ocorre pelo Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena do Estado, que faz parte da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). O edital da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia de MS (Fundect-MS) foi aprovado para promover a Extensão Tecnológica para Agricultores Familiares, Povos Originários e Comunidades Tradicionais.
Atualmente o projeto está finalizando sua primeira etapa com o cultivo de quatro espécies para processamento de fitoterápicos: Erva-baleeira, Guaco, Capim-cidreira e Colônia. Essas plantas estão sendo cultivadas em grande quantidade para que em março de 2026, seja feita a primeira colheita de 200 kg de folhas frescas. “Esperamos que a estufa e os nossos laboratórios já estejam totalmente adequados para que possamos ter esse primeiro lote destinado ao uso da população”, afirma Solon.






Comentários