top of page

O cinema da boca

  • lauras05
  • 17 de abr.
  • 6 min de leitura

Á sétima arte também sofre com a falta de recursos para suas produções


Texto e imagem: Gabrielly Pedra e Pedro Vieira



Cineclube organizado pela A Boca Filmes em um bar de Campo Grande MS
Cineclube organizado pela A Boca Filmes em um bar de Campo Grande MS

O que é cinema alternativo? Segundo o cineasta João Pelosi, é toda produção audiovisual independente ou com baixo orçamento. Diferente das produções audiovisuais de grandes estúdios como a Disney, Universal ou Paramount, o cinema alternativo na perspectiva de Pelosi, parte da vontade de se fazer arte, mesmo com poucos recursos. “Eu não sei nem se a gente tem um grande filme, sabe? No sentido de ter um grande valor de produção, uma grande equipe e tudo mais. Os filmes que aqui são produzidos não chegam a passar de um milhão de reais de financiamento. Isso é pouquíssimo para um longa-metragem”.

Pelosi faz parte do coletivo A Boca Filmes, uma produtora que nasceu como um cineclube dentro da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no único curso presencial de Audiovisual do estado. Ele, Felipe Feitosa e Aram Amorim se conheceram na universidade e viraram amigos. Atualmente, os três estão à frente da produtora, que organiza oficinas de audiovisual e o cineclube “Cinema da Boca”, em Campo Grande.

Como fazer um filme sem patrocínio ou investimento? O cineasta explica que da mesma forma que o coletivo, A Boca Filmes nasceu. “Fazer filme sem grana é necessariamente fazer filme com amigos, porque se não, você não vai fazer”.

Em 2022, durante a pandemia da Covid-19, foi criada a Lei Complementar nº 195/2022 ou Lei Paulo Gustavo (LPG), como ficou conhecida. Seu objetivo era apoiar a classe artística e os setores culturais afetados durante a pandemia, destinando 3,8 bilhões de Reais para os estados e municípios investirem no setor. Segundo o estudo Dez anos de economia da cultura no Brasil e os impactos da Covid-19 – um relatório a partir do Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural, de 2023, a economia da cultura em 2020 foi responsável por 3,11% do PIB nacional, o que corresponde a 230,1 bilhões de reais, enquanto a indústria automobilística foi responsável apenas por 2,1% do PIB, no mesmo ano. 

 O coletivo A Boca Filmes já utilizou os recursos financeiros da  Lei Paulo Gustavo para suas produções, mas Pelosi afirma que para os profissionais do audiovisual que trabalham de maneira independente, os editais culturais são a melhor opção para receber patrocínio.

“Os editais de fomento são o jeito mais simples de você conseguir dinheiro para fazer um filme ou qualquer evento assim cultural. Abre-se um edital, seja do estado, através da Fundação de Cultura ou da prefeitura…aí lá você tem que defender seu projeto”.

 Segundo Felipe Feitosa, amigo e colega de profissão de Pelosi, esses editais incentivam o cinema alternativo em Campo Grande e no Mato Grosso do Sul, mas limitam as narrativas dos filmes produzidos a um identitarismo cultural. “Os editais são extremamente importantes, é uma das melhores formas que eu conheço no mundo de se incentivar a produção cinematográfica. Mas eles formam um identitarismo regional, por exemplo, a necessidade de você mostrar Campo Grande e isso parte às vezes da não compreensão de que se você filmar em Campo Grande, você mostra Campo Grande necessariamente”.

 


Um solo frágil

 

 "Ah, o que que você é? Aí você fala: ‘Ah, sou cineasta’. E a pessoa responde assim: ‘Nossa, mas cineasta’, como é que é? Como é que vive de ser cineasta no Mato Grosso do Sul?”. Marinete Pinheiro começou a carreira no audiovisual após terminar a faculdade de Jornalismo em 2008 e ir estudar cinema fora do país. Com mais de dez anos de experiência, ela é uma das pioneiras na direção e produção de curtas metragens e documentários aqui no estado. A pergunta que a fazem, persegue outros colegas de profissão que ainda lutam para abrir o caminho do audiovisual em Campo Grande.

O primeiro curso no estado iniciou em 2019, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Com seis anos de existência, a consolidação de um mercado com profissionais sul-mato-grossenses e histórias regionais segue sendo escrita. Ligia Prieto é teatróloga, cineasta e escritora, além de fundadora e diretora do Grupo Casa. Para ela, um dos maiores desafios para desenvolver o cinema é viver num estado tradicional e do agronegócio. “Primeiro, que o mercado do Mato Grosso do Sul não existe, né? Então, esse já é o primeiro passo de desafio, que a gente precisa construir um mercado, a gente precisa fazer com que as pessoas entendam que isso é importante e não é só uma questão publicitária. Mas enquanto mulher, acho que a coisa mais chata é você ficar provando que sabe fazer o que você faz”.

Em dezembro de 2024, a prefeita Adriane Lopes comunicou a extinção da Secretaria de Cultura e Turismo, que foi rebaixada a uma secretaria executiva e passou a integrar a Secretaria de Governo e Relações Internacionais no início de 2025. Para os profissionais, a extinção foi um sinal de retrocesso, com o corte de editais que possibilitariam as produções de obras audiovisuais. “A falência da Secretaria de Cultura é bastante simbólica, a partir do momento que não existe uma instituição pública capaz e dedicada a fazer avaliação e desenvolvimento cultural da cidade, a gente começa a ter uma precarização geral dos profissionais da cultura de Campo Grande. Diferente do passado em que a gente teve um boom por causa da lei Paulo Gustavo, a gente volta nesse ano a trabalhar de graça praticamente”, relata Felipe Feitosa.

Uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde em 2019 mostrou que a arte tem um papel importante na prevenção de problemas e na promoção da saúde mental ao longo da vida. “A cultura sempre foi segregada como se fosse um extra. Nunca foi reconhecida como uma necessidade básica, vamos dizer assim, como a saúde, e as pessoas precisam de arte”, comenta Marinete Pinheiro. De acordo com o Ministério da Previdência Social, Mato Grosso do Sul registrou mais de oito mil afastamentos por doenças relacionadas à saúde mental em 2024, um recorde para o estado. “Dentro das políticas públicas, a cultura é sempre o dinheiro que sobra, não é um investimento. Você não tem previsto contabilizado, você tem carimbado o que vai para a saúde, para educação e tal, mas para cultura não”.

 

A força do cinema alternativo

 

Hoje, em Campo Grande, há três empresas de cinema comercial. Mas, para além das salas grandes, os apaixonados por audiovisual encontram em cineclubes, mostras e festivais, um lugar para divulgar e debater a arte fora do circuito padrão. “Eu acredito muito na importância do Cine Clube, na importância disso enquanto é um evento democrático e aberto da melhor forma possível para as pessoas. Principalmente pela potência que eventos como esse têm de tornar o cinema local, o cinema regional e até mesmo o cinema que não é daqui, mas que não chega ao público através dos circuitos comerciais a chegar nas pessoas”, comenta Felipe Feitosa.

Além de eventos, alguns coletivos conseguem levar o cinema alternativo mais longe, como o Transcine, cinema em trânsito que faz exibições em escolas e comunidades mais distantes. Também há projetos da universidade que visam democratizar o acesso ao cinema. Alessandra Moura, egressa do curso de Audiovisual da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul explica que para ela, é fundamental a possibilidade de fazer filmes menores e exibi-los em lugares gratuitos. “Filmes maiores você encontra no cinema, que não é nada democrático, o ingresso está R$40 hoje em dia. Então, a gente tem um projeto na faculdade que leva o cinema para o presídio, e foi uma das coisas mais incríveis porque foi ali eu vi como a arte pode afetar as pessoas e mudar as coisas. É fundamental que a gente exerça esse papel mesmo que pequeno”.

Para a diretora Ligia Prieto, mais do que a democratização, há o poder do cinema alternativo junto ao pensamento crítico. “Porque ele acessa todo mundo e aí mesmo os super poderosos não querendo, a gente vai ampliar o pensamento, a gente vai ampliar a análise crítica e ainda mais. Então eu acho que nada mais bonito e importante e que tenha um resultado mais eficaz do que nossas vozes ecoarem nas ruas, nos becos, nos bares, nos lugares todos que a gente consegue ter acesso a isso. Acho que esse é o nosso lugar”.

Prieto ressalta que a arte é atacada mesmo tendo potencial econômico para o Brasil. “O Cirque du Soleil é responsável por movimentar o PIB do Canadá, sabe? A galera tá muito atrasada, a gente acha que os governantes só querem dinheiro. Então porque não aproveitam a arte então, olha o quanto o cinema brasileiro movimentou com ‘Ainda estou aqui’, eu acho que é burrice a gente continuar não alimentando a arte”.


Animação exibida ao público campo-grandense

Comments


  • alt.text.label.Facebook
  • alt.text.label.Instagram

©2023 por Textão Jornalístico. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page