No meio do caminho tinha um ponto
- lauras05
- 17 de abr.
- 6 min de leitura
Pontos de ônibus de Campo Grande são reflexo de outros problemas crônicos de transporte da cidade
Anne Evelyne Haeckel, Milena Melo e Sandy Ruiz
É uma visão bastante comum: mãos tapando a testa para proteger do sol, pessoas encostadas em muros ou próximas de comércios que oferecem sombra. Aguardar o ônibus em Campo Grande é, muitas vezes, um desconforto.
Os pontos de ônibus da cidade não contam com as principais características que o espaço necessita: um local de descanso com proteção contra o sol, a chuva e o vento. Em vez disso, o que é possível observar por toda a cidade é a visão característica de um pedaço de madeira laranja fincado ao chão.

Os pontos de ônibus que oferecem alguma infraestrutura também não estão isentos de problemas. Em fevereiro deste ano, uma idosa se feriu quando o ponto de ônibus onde estava sentada desabou e tombou para frente. O caso aconteceu no bairro Aero Rancho, onde os moradores afirmaram que a construção já apresentava indícios de que não estava firme ao solo.
O município tem as ações de trânsito gerenciadas pela Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran), responsável por coordenar e fiscalizar os serviços de transporte público, além de estabelecer os padrões de qualidade desses sistemas.
Uma das diretrizes do Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana (PDTMU) da capital para incentivar o uso do transporte público é melhorar a segurança na travessia de pedestres nos locais de maior demanda, como próximo aos terminais de transporte e pontos de parada de ônibus.
A situação encontrada nas ruas, porém, reflete uma realidade diferente. O corredor de ônibus da Avenida Gunter Hans é um exemplo desse problema. O Corredor Sudoeste, como é chamado, foi projetado para conectar os terminais Aero Rancho e Bandeirantes em um trecho de aproximadamente 2,6km
Os corredores de ônibus estão presentes no Plano Diretor e a construção do corredor da Gunter Hans está paralisada desde 2021. A obra parada, além de inutilizar as construções feitas para os passageiros sentarem enquanto esperam o ônibus, também prejudica os pedestres que precisam atravessar as avenidas.

O professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Julio Cesar Botega do Carmo, comenta que o padrão de construção dos pontos de ônibus de Campo Grande não são ideais, mas que não diferem de outras cidades do país, onde os bairros periféricos não recebem a mesma infraestrutura dos grandes centros.
Ainda assim, o professor enfatiza que não é apenas os pontos de ônibus que representam a precariedade do sistema de transporte, os ônibus também não atendem às necessidades da população, pois fazem viagens longas para chegar ao seu destino e não oferecem um espaço climatizado para as condições da cidade.
De acordo com o Consórcio Guaicurus, de uma frota operante de 403 ônibus, apenas 14 possuem ar-condicionado. Segundo os passageiros, mesmo esses transitam com o ar desligado.
Botega explica que esses problemas afastam a população do transporte público, criando um ciclo vicioso: com menos usuários nos ônibus, aumenta-se o valor das passagens, o que desmotiva ainda mais o uso do transporte público. Isso pode resultar em maior fluxo de carros e motos nas ruas, reduzindo ainda mais o número de passageiros e elevando, novamente, o custo das passagens, além da poluição ambiental.
O professor acrescenta que o processo de pensar pontos de ônibus que sejam eficientes deve abranger a cidade como um todo. “Não vejo como é possível melhorar os pontos de ônibus sem melhorar também as vias, as calçadas, são vários passos necessários para um bom mobiliário urbano”.
O ponto de ônibus da Rua Bocaina, no bairro Piratininga, também repete as mesmas características que se pode observar nos bairros negligenciados e afastados do centro. Na calçada, o que marca o local de espera para os passageiros é apenas um pedaço de madeira, que coletivamente as pessoas aceitaram como um ponto, mas não atende às necessidades de segurança que o local deveria dispor à população.

A situação precária dos pontos de ônibus somada à qualidade do transporte desanima as pessoas, que muitas vezes preferem outras formas de locomoção para não depender desses serviços. Neuza Rodrigues, aposentada de 72 anos, afirma que são raras as ocasiões em que utiliza o transporte público, pois prefere até caminhar do que esperar. “É uma situação muito difícil. Se eu vou a algum lugar que fica aqui perto, eu prefiro mesmo é ir a pé, caminho até o lugar que quero ir. Mas se ficar longe, aí é Uber ou em último caso que é o ônibus”, afirma Neuza.
A segurança do local também é muito levada em consideração, especialmente para as mulheres que precisam pegar ônibus em horários de baixa movimentação nas ruas. Neuza afirma que sua neta é aconselhada a não esperar sozinha nesses locais, ou até mesmo evitá-los durante a noite para garantir a própria segurança. “A gente vê de tudo nos jornais, cada notícia. Eu não espero nesses pontos quando é tarde e não gosto que minha neta espere também, mas se não tem jeito e a pessoa precisa pegar ônibus, ela vai fazer o quê?”, questionou a aposentada.
Lívia Medina, tem 21 anos e utiliza ônibus em seu cotidiano para ir para a faculdade. Ela relata já ter tido uma experiência de tentativa de furto no ponto perto de sua casa. “Como eram 6 horas da manhã e havia mais pessoas no ponto, eu não imaginava que uma situação assim poderia acontecer”.
Em seu relato, Lívia comenta que estava com o celular em mãos, apesar de não estar usando o aparelho. Ela descreve que um homem de bicicleta se aproximou de onde estava e tentou puxar o celular de sua mão, o aparelho estava preso em seu pulso por uma cordinha que usava para evitar que o celular caísse. A corda não arrebentou e Lívia conta que o homem continuou tentando levar seu celular, ela não tinha assimilado que ele estava tentando furtar. “Em determinado momento, eu empurrei ele fazendo com que caísse da bicicleta, aí ele foi embora e eu só fui entender essa situação quando entrei no ônibus”.
A Avenida Manoel da Costa Lima fica próxima aos bairros Piratininga e Ipiranga e mesmo sendo uma avenida movimentada, especialmente em horários de pico, os pontos de ônibus dispostos por ali também carecem de atenção e reparos. Emerson Brandão tem 24 anos e trabalha em uma academia que fica na avenida. Ele relata como esses pontos foram esquecidos pelo poder público e causam inseguranças na região. “O que falta ali são reparos, tanto nos pontos de ônibus como nas ruas por aqui. Enquanto um ponto fica ali no sol, o que já é desconfortável, o outro fica esquecido ali no canto no escuro de noite. Isso é muito perigoso pra quem espera ou pra quem passa por ali, volta e meia a gente sabe de alguém que foi assaltado”, afirma o trabalhador.
Gabriela Aranda, de 22 anos, mora no bairro Jardim Carioca e utiliza o transporte público para ir trabalhar e passear. Ela comenta sua dificuldade em pegar ônibus nos períodos de chuva, pois o ponto que usa está localizado em uma parte do bairro que acumula barro nesses períodos. “ É desagradável ter que pegar ônibus para ir trabalhar e chegar ao lugar com a barra da calça ou seu tênis cheio de lama”.

O vereador Jean Ferreira (PT) enfatiza que esses pontos, além de não garantir segurança, também não possuem acessibilidade. “O ponto de ônibus é onde começa o acesso aos direitos ao transporte público”.
O vereador também comenta que para começar a solucionar o problema dos pontos de ônibus, o foco deve estar no Plano Diretor, para que seja possível garantir as melhorias não só nos pontos, mas na cidade como um todo e tornar esses locais mais acessíveis para a população campo-grandense.
Jean Ferreira explica ainda que a população pode e deve exercer sua cidadania ao entrar em contato com os vereadores. As denúncias ajudam o Poder Público a fiscalizar as partes da cidade que as equipes dos parlamentares não conseguem cobrir.
As denúncias podem ser feitas enviando um e-mail para o vereador desejado e pelas redes sociais do parlamentar. O site da Câmara Municipal de Campo Grande disponibiliza os e-mails dos vereadores para contato.
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