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Entre amores e o diabo

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Andréa Brunetto é psicóloga, psicanalista e escritora, atualmente com quatro livros publicados.


Entrevista: Helena Fernandes


Membra-fundadora do Ágora Instituto Lacaniano e do Fórum do Campo Lacaniano do Mato Grosso do Sul, Andréa Brunetto falou sobre sua experiência, tanto com o atendimento em sua clínica, como analista, quanto com sua trajetória como escritora. A autora publicou no ano passado dois de seus mais recentes livros: O Diabo e Suas Máscaras: A Tríade Infernal do Desejo, em março e Agora Sou Medeia: Não Existe Vingança Sem Ódio, em novembro. Atualmente, a escritora conta com quatro livros publicados e alguns artigos que exploram a psicanálise juntamente com outras áreas do conhecimento.

Analista Membra da Escola dos Fóruns do Campo Lacaniano e membro da EPFCL-Brasil, Brunetto também possui um blog onde escreve crônicas e relatos sobre seus temas de interesse que, conforme apontadas pela própria em seu perfil, são: psicanálise, literatura, cinema, viagens e línguas.

       

Foto: reprodução do Facebook

O que inicialmente despertou seu interesse pela psicologia e a motivou a escolher essa carreira? E o que a fez optar pela psicanálise como abordagem principal dentro dessa área?

Eu comecei a fazer psicologia muito cedo; eu tinha 15 anos quando passei no vestibular. Não consigo apontar um fato exato, mas, uns dois ou três anos antes de fazer o vestibular, eu já sabia que queria psicologia, talvez porque eu gostasse de escutar e saber os meandros da mente humana. Nas primeiras semanas de faculdade, eu já sabia que era o que eu queria. Quanto à psicanálise, não foi tão decidido assim, porque, durante o curso, a gente aprende as várias linhas e eu gostava demais dos livros da Gestalt Terapia. Anos depois, num encontro com colegas de faculdade, eles diziam que achavam que eu iria ser Gestaltista.

Por outro lado, eu ganhei de presente do meu pai a coleção de Freud, que eu lia e gostava muito da obra, mas, na época, a formação de psicanalista em Campo Grande havia apenas começado e era caríssima. Também era uma coisa muito regrada, com pessoas muito formais, que, na minha cabeça, eu não me encaixaria nisso.

Até que eu fui fazer um estágio em Belo Horizonte, onde fui assistir a um congresso de psicanálise, que fui convidada. Nesse congresso, escutei sobre Jacques Lacan, que eu nunca tinha ouvido falar na faculdade. Voltei com os livros dele para Campo Grande, escolhi um analista que estava falando lá e liguei para ele no Rio de Janeiro. Falei: "Eu queria fazer análise com você, mas estou em Campo Grande, é impossível, não tem como ir aí." Ele me disse: "Venha aqui ao Rio algumas vezes para a gente conversar, fazer uma entrevista." E eu fui. Fiz 22 anos de análise com ele, os primeiros 10 anos, talvez, indo todo mês ao Rio; depois disso, já havia entrado na escola de psicanálise e feito formação. 

 

Em sua atuação como psicóloga e psicanalista, você acredita que lidar com pacientes que estão passando por questões muito profundas ou possuem traumas severos pode causar um desgaste emocional no profissional que faz o atendimento? Quais práticas você o incorpora para manter o equilíbrio pessoal e profissional?

            A primeira coisa eu acho que vale para todos os psicólogos: todo psicólogo tem que passar pela experiência de ser paciente. Independente da linha, ele precisa ter o espaço onde vai falar das coisas dele para não se misturar com as histórias que escuta. Agora, mais especificamente para a psicanálise, Freud já marcou desde o início: para ser um psicanalista, você tem que ser um analisante antes. São muitos anos de análise para você poder escutar sem escutar com as suas histórias pessoais. Então, é claro que as histórias que eu escuto me sensibilizam, algumas mais, outras menos. Mas eu consigo escutar sem os meus valores pessoais.

Na sua pergunta, você coloca como isso vai me tocar, se vai me deixar estressada, sofrendo. Mas tem um problema mais sério ainda, que é eu responder, ao meu analisante, com as minhas concepções pessoais. As minhas escolhas pessoais não servem para as pessoas que me procuram. Então, é preciso que todo profissional faça sua terapia; isso é garantia de que ele vai ficar melhor com a cabeça dele e de que não vai se intrometer nas escolhas de seus pacientes.

 

Dentro da psicanálise, quais são os conceitos que mais despertam seu interesse atualmente? O que você mais tem pesquisado e estudado?

Eu estudei sobre o desejo, escrevi o livro O Diabo e Suas Máscaras, que é uma tríade infernal do desejo. Eu abordo o próprio Freud e Lacan, onde, para falar do desejo inconsciente, eles usaram as metáforas do diabo e do inferno. Então, a partir de uma coisa que eu estudei para aquele livro, eu li O Inferno de Dante, me fiz uma questão sobre Medeia e fui falar sobre o ódio, a vingança, mas também o amor. Então, fiz esse outro livro (Agora Sou Medeia: Não Existe Vingança Sem Ódio).            Agora, estou escrevendo um outro livro e estudando o seminário 18 de Lacan, onde ele estuda a escrita chinesa, que é uma escrita milenar, serve para vários povos e é quase inalterável através dos tempos. Ele (Lacan) usa isso para falar da psicanálise, da lógica e do inconsciente. Então, agora, eu estou escrevendo sobre Lacan e a escrita chinesa; é o que eu estou pesquisando no momento.

Ser escritora sempre esteve em seus planos? O que te motivou a escrever livros ao invés de seguir apenas com os atendimentos na clínica?

Foi uma coisa inesperada, não estava nos meus planos. Eu trabalhei dez anos na educação especial do estado, já estava na formação psicanalítica. Quando pedi desligamento do estado, daqueles dez anos de experiência lidando com as crianças especiais e nas escolas, achei que precisava escrever isso; era algo que tinha que ser registrado. Com isso, saiu o primeiro livro, Psicanálise e Educação. Eu ainda não tinha ideia de ser uma escritora de vários livros; foi esse e pronto. Na época, um amigo me convidou para falar sobre psicanálise e literatura na livraria que ele tinha aqui, que era um sebo chamado "Subcultura". Organizei umas quatro ou cinco falas e, quando percebi, já tinha cinco capítulos de um livro sobre psicanálise e literatura. Eu tinha enfatizado nos autores que falei nesses eventos, alguns sobre o amor e outros sobre a condição de exilado. Foi aí que saiu o livro Sobre Amores e Exílios.

Eu fazia também piqueniques literários. Quando organizei um para falar sobre os pactos com o diabo, não apareceu ninguém. Eu falei: “Olha só, o diabo é um tema que pega as pessoas.” Mas deixei uma pilha de livros sobre pacto com o diabo, que li todos durante a pandemia e fui relacionando com tudo que Freud e Lacan falavam sobre o diabo. Foi aí que surgiu O Diabo e Suas Máscaras, e o livro (Agora Sou) Medeia surgiu a partir da questão que me fiz na escrita dele. Esse de agora me veio porque o pessoal da psicanálise de Fortaleza me convidou para falar sobre uma parte do seminário 18 de Lacan, onde ele fala da escrita chinesa. Eu passei meses preparando este seminário, que foi agora no final de agosto, e fui percebendo que havia tanto material que pensei: “Acho que vou escrever um livro.” E é isso que estou escrevendo agora.

 

Você acredita que seu trabalho na clínica e sua produção literária estão correlacionados? De que maneira você acredita que um aspecto é capaz de enriquecer o outro?

Eu acho que estão relacionados. Foi em função, por exemplo, dos meus estudos e da minha fala como psicanalista que estou escrevendo esse livro sobre a escrita chinesa. Na verdade, a minha escrita é muito relacionada à minha vida de leitora, de sempre ser uma leitora voraz. Então, eu vou escrevendo uma coisa e já penso em outro livro que li.

Eu gostaria que a minha escrita não estivesse só relacionada com a psicanálise. Tenho uma ideia de escrever um livro de viagens e um romance, mas a psicanálise sempre acaba me puxando e eu vou deixando esses projetos de lado. Eu me lembro de um escritor que eu adoro, o Anton Tchekhov. Ele diz: "Eu tenho uma esposa e uma amante: a esposa era a medicina, minha amante, a literatura. Eu vou ficar com as duas." E ele conseguiu ficar com as duas. Eu ainda não estou conseguindo (risos); estou só com a psicanálise. Eu ainda não estou, assim, de escrever literatura.

 

A psicanálise é a esposa ou a amante?

Pois eu não sei (risos). Eu acho que é a esposa, porque ocupa muito a minha vida.

 

Quais autores ou autoras, dentro ou fora da psicologia, influenciaram a forma como você escreve?

Na psicologia, Freud e Lacan. Da literatura, vários autores, alguns, inclusive, que Lacan comenta, como Marguerite Duras, a escritora francesa. Para O Diabo e Suas Máscaras, Dante Alighieri, com a sua Divina Comédia, foi fundamental; Goethe, com Fausto. Eu tenho lido muito esses textos clássicos. Por exemplo, para escrever Medeia, eu li quase toda a obra de Ovídio, que é um escritor do começo da era cristã. Então, eu li A Arte de Amar, eu li um livro lindo dele, que são Cartas Para As Heroínas, no qual ele escreve colocando cartas como se fossem as mulheres escrevendo para as pessoas que elas amavam ou odiavam. Uma das cartas, inclusive, foi a carta de Medeia para Jasão. Então, eu leio muito os gregos.

 

Em um episódio do podcast “Não Sei Nada da Vida”, do Lado B, você apontou o seu último livro “O Diabo e Suas Máscaras” como o seu favorito para escrever. O que, sobre seu processo de escrita, a fez selecioná-lo?

O Diabo e Suas Máscaras é um livro que eu acho que é o mais fundamentado na psicanálise. É o livro que eu estudei mais, tanto na psicanálise quanto os autores. Como fui reler A Divina Comédia, que eu já tinha lido na adolescência, eu li tanta coisa para escrever esse livro que tive uma satisfação quando terminei. Eu conversava com meu pai, que ainda era vivo, sobre Dante Alighieri. Foi um livro no qual eu acho que mergulhei nos autores clássicos da literatura para escrever e, curiosamente, é o livro que menos vende. A minha editora, inclusive, diz que, para a próxima edição, talvez tenha que tirar a “careta” do diabo da capa do livro, porque as pessoas olham e nem chegam perto (risos).

 

Você acha que é uma questão moral? As pessoas têm medo da figura do diabo?

É, eu acho que é medo da figura do diabo.

 

O amor é um tópico muito recorrente nos seus livros. O que especialmente te fascina sobre o tema? Como você o aborda dentro do contexto da psicanálise?

Verdade… O amor é um tema recorrente. Esse agora, da escrita chinesa, eu ainda não falei sobre o amor. Estou no terceiro capítulo e ainda não toquei na palavra "amor"; talvez esse saia um pouco disso. Mas eu falo do amor tanto nesse do Diabo, quanto nesse da Medeia. Escrevi Sobre Amores e Exílios; também falo sobre amor no primeiro livro, Psicanálise e Educação. É porque eu acho que é o meu dia-a-dia na clínica: escutar histórias de amor que deram certo, as que não deram certo, e os desencontros amorosos. Isso é o tema do meu trabalho o dia todo. Lacan fala do amor de maneira diferente até mesmo de Freud. Ele (Lacan) fala do amor como um vazio, uma falta, eu acho que retomando os gregos. Então, é sobre isso que eu falo do amor: não como um amor romântico, mas como uma falta, um vazio. Mesmo assim, as pessoas buscam, aspiram, porque querem encontrar esse ideal. Meu irmão assistiu ao podcast e me disse assim: "Meu Deus, Andréa, por que você tinha que desanimar aquelas jovens assim, sendo tão dura nessa visão do amor?" (risos).

 

Existe a perspectiva de escrever outros livros futuramente? Quais outros temas você pensa em explorar em uma possível futura publicação?

Se eu conseguir manter a minha programação de terminar esse livro sobre a psicanálise e a escrita chinesa até abril ou maio, eu queria me dedicar a dois livros que estão esboçados: um romance e um livro sobre viagens, que eu já tenho pequenas crônicas, mas eu gostaria de transformar num livro. Talvez depois desse livro sobre a psicanálise e a escrita chinesa, eu vou fazer esses dois que estão parados.

 

O livro sobre as viagens, que você mencionou, você pretende usar as crônicas que foram postadas no seu blog?

Pretendo, muitas estão lá e nos últimos anos eu fiz algumas viagens e não escrevi mais. Então, pretendo pegar algumas das crônicas de lá e continuar, talvez uma parte delas e mais o que eu ainda tenho escrito que não está publicado. Eu achei que dava um livro, daqui a pouco ninguém mais lê blog, então tem que aproveitar e transformar num livro.

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