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Turismo fortalece identidade cultural dos povos originários

  • lauras05
  • 23 de mai.
  • 9 min de leitura

Roteiros em aldeias urbanas e rurais promovem a valorização das tradições indígenas e ampliam a geração de renda para as comunidades


Gabrielle Lima, Júlia Barreto, Letícia Furtado, Roberta Dorneles e Sanny Duarte



Mural na Aldeia Urbana Marçal de Souza / Foto: Roberta Dorneles
Mural na Aldeia Urbana Marçal de Souza / Foto: Roberta Dorneles

Em meio à paisagem de Aquidauana, conhecida como o portal do Pantanal sul-mato-grossense, a Aldeia Limão Verde se destaca como símbolo de resistência e valorização cultural. O local, habitado por indígenas da etnia Terena, tem fortalecido sua presença no turismo regional, oferecendo experiências que unem tradição, hospitalidade e ancestralidade.

Alfredo Francisco Caitano, morador da aldeia e guia turístico, carrega consigo o orgulho de preservar e compartilhar sua cultura. Hoje com 30 anos, ele conta que começou a se apresentar culturalmente aos oito anos, e hoje é um dos membros da aldeia que recebe os visitantes com danças típicas, grafismos corporais, histórias sobre a origem da comunidade e a rica culinária Terena.

“Recebemos visitas há muito tempo, principalmente de escolas. Agora, a aldeia foi contemplada como ponto turístico, e queremos mostrar ainda mais da nossa cultura”, destaca. A chegada dos turistas é marcada por uma imersão cultural, além das apresentações e da gastronomia, os visitantes têm contato com o idioma Terena, falado nas músicas e nos relatos orais, fortalecendo o elo entre tradição e identidade.

Em uma visita técnica recente, uma equipe de turismo de Brasília reconheceu a Aldeia Limão Verde como destaque regional, elogiando desde a culinária até a história da igreja local e as manifestações em língua nativa. A iniciativa promove o turismo indígena como uma ferramenta de geração de renda, preservação cultural e conexão entre diferentes mundos. Em comunidades como Limão Verde, cada dança, cada pintura no corpo e cada prato típico servido são formas de manter a cultura viva.


Turismo de Base Comunitária



Dança dos indígenas terenas / Foto: Bolivar Porto             
Dança dos indígenas terenas / Foto: Bolivar Porto             

O fotógrafo e técnico da Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul (Fundtur/MS), Bolivar Porto, atua há 30 anos na área do turismo e há nove anos integra a equipe, em que é responsável pelo monitoramento das ações em andamento e pela busca de novas comunidades a serem incluídas nas iniciativas da fundação. Bolívar participa do projeto de Turismo de Base Comunitária, que surgiu, inicialmente, da vontade de dar oportunidade às comunidades indígenas para que elas se envolvam no turismo local e possam ser beneficiadas. "O turismo, geralmente, beneficia os empresários e turistas, muitas vezes, algumas pessoas não têm as mesmas oportunidades. Nós, da fundação, começamos a desenvolver o projeto no ano passado, mas neste ano, estamos trabalhando em um projeto piloto juntamente com uma consultoria contratada pelo Sebrae".

O projeto está sendo desenvolvido com as comunidades indígenas de Nioaque, as aldeias terenas Brejão, Água Branca, Cabeceira e Taboquinha, e a aldeia Vila Atikum, etnia originária do Pernambuco que compõe um grupo de diferentes costumes. Todos os grupos recebem capacitação para que no ano que vem, possam trabalhar com o turismo étnico.

"Queremos dar a oportunidade de geração de renda para as comunidades e para que eles possam colocar seus produtos no mercado. Não podemos prometer que eles ganharam muito dinheiro com o projeto, mas nossa preocupação é procurar resgatar a cultura dos povos indígenas, unificar histórias, fazendo com que eles tenham um conhecimento maior e procurar incentivar e resgatar o ensino da língua Terena e Atikum".

De acordo com Porto, foi apresentada uma ideia geral de como seria o projeto para as comunidades indígenas que abraçaram e se envolveram na proposta. O técnico afirmou que o projeto é desenvolvido com a parceria de órgãos públicos e governamentais. "A Fundação de Turismo não pode ficar de fora, pois, no final da história, somos nós que promovemos e vendemos o produto/ideia para o mercado, para que ele seja abraçado pelas operadoras e pelos turistas".

Segundo Porto, o Sebrae e a Secretaria de Assuntos Indígenas também apoiam o projeto. "Em um projeto de turismo comunitário, empresas privadas não participam diretamente, pois quebram o propósito de "base comunitária", que tem como objetivo explorar o turismo do início ao fim pelas comunidades, ou seja, eles nos dirão o que querem, o que têm para colocar no mercado, vão fazer as organizações, as visitações e horários e são eles que vão desfrutar do lucro gerado por essa atividade. Se entrar qualquer empresário/empresa dentro da comunidade para tentar gerenciar, já deixa de ser o verdadeiro turismo de base comunitária".


Prática do Grafismo indigena como pintura corporal que é passada de geração para geração. Foto: Bolívar Porto  
Prática do Grafismo indigena como pintura corporal que é passada de geração para geração. Foto: Bolívar Porto  

O respeito às tradições e à espiritualidade indígena é fundamental nas ações de turismo desenvolvidas com as comunidades de Mato Grosso do Sul. As visitas são organizadas para evitar qualquer interferência nas práticas culturais e nas manifestações religiosas. Para garantir isso, as aldeias recebem capacitação, preparando-as para lidar com situações em que os turistas, por desconhecimento, possam agir de forma inadequada.

“O turista não poderá, de maneira alguma, interferir nos processos culturais, seja religioso ou social, das comunidades”, afirma Bolívar. Figuras tradicionais, como raizeiros e rezadeiras, são integradas às atividades e reconhecidas pelo seu saber. A cultura local, que abrange espiritualidade, culinária e modos de vida, é tratada como um elemento essencial para garantir a autenticidade da experiência turística.

De acordo com Porto, o tratamento dado ao turismo indígena no estado até o momento foi completamente inadequado. Ele defende que levar turistas a aldeias indígenas sem o preparo adequado das comunidades não pode ser considerado turismo. “Não estamos sendo honestos ao vender esse tipo de produto turístico”, afirma. Segundo ele, sem a capacitação necessária, os visitantes entram nas aldeias de forma desorganizada, o que, em alguns casos, resulta em uma situação de “zoológico humano”, em que os turistas observam o “estado natural” dos indígenas.

Embora algumas aldeias possuam infraestrutura básica, como casas de alvenaria e ruas principais, a maioria enfrenta dificuldades econômicas e ainda não está preparada para receber turistas. Para Bolivar, o turismo indígena só poderá ser desenvolvido de forma responsável após a implementação de um programa de capacitação bem estruturado. Nesse sentido, um dos primeiros passos tem sido a inclusão digital das comunidades. A consultoria oferecida prevê a criação de sites e a capacitação para o uso estratégico das redes sociais, ensinando-os a distinguir o que divulgar e o que preservar. “Estamos preparando pessoas para se tornarem influenciadores digitais dentro das aldeias, promovendo, de maneira técnica, a cultura deles. Hoje, quase todos têm acesso às redes sociais, mas ainda não estão ativos nelas”, conclui.


Os primeiros no território brasileiro


De acordo com o mestre em Antropologia social, filósofo, sociólogo, teólogo e historiador Dihego Espíndola, a história mostra que antes da colonização, os povos indígenas já tinham uma presença marcante no território brasileiro, pois desenvolviam um papel essencial na organização e ocupação do mesmo. Eles não apenas habitavam essas terras há milhares de anos, mas também desenvolviam formas sofisticadas de interação com o meio ambiente, garantindo sua sobrevivência e preservação dos recursos naturais.

“Os indígenas viviam em sociedades diversas, com culturas, línguas e tradições próprias. Alguns grupos eram nômades, deslocando-se conforme a disponibilidade de alimentos, enquanto outros eram sedentários, praticando agricultura e construindo aldeias organizadas. A agricultura, aliás, era uma das grandes contribuições desses povos, com o cultivo de mandioca, milho e outras plantas que até hoje fazem parte da alimentação brasileira” afirma o historiador e ainda ressalta a importância da relação dos indígenas com a natureza.

Segundo ele, diferente da visão exploratória dos colonizadores, os povos originários viam a terra como parte de um equilíbrio maior, respeitando ciclos naturais e utilizando os recursos de forma sustentável. “Esse conhecimento foi essencial para a sobrevivência dos primeiros europeus que chegaram ao Brasil, já que aprenderam com os indígenas como se adaptar ao novo ambiente”. Infelizmente, a chegada dos europeus trouxe grandes desafios para essas populações, no entanto, a influência na identidade brasileira segue forte até hoje.


Turismo indígena no Brasil: conquistas e desafios 


Ao analisarmos a história do turismo indígena no Brasil, Dihego Espíndol explica que ele tem uma história que reflete tanto desafios quanto conquistas ao longo do tempo. No início, ele acontecia de forma desorganizada e muitas vezes exploratória, sem respeitar os costumes e a autonomia dos povos indígenas. Muitas comunidades viam visitantes chegando sem aviso, sem regulamentação, e sem um compromisso real com a preservação cultural.

“Mas essa realidade começou a mudar à medida que os próprios indígenas passaram a participar ativamente do planejamento e da gestão do turismo em seus territórios. Ao longo das últimas décadas, ele se transformou em uma ferramenta de valorização da cultura e de geração de renda sustentável. Hoje, muitas comunidades organizam visitas de forma consciente, oferecendo experiências imersivas que respeitam sua história e modos de vida”, afirma Dihego.

O especialista reforça que turismo indígena é uma forma de resistência, preservação e uma ferramenta valiosa para a valorização das culturas quando feito de maneira respeitosa e consciente. Mais do que apenas uma atividade econômica, ele pode ser um espaço de troca genuína entre os povos originários e os visitantes, criando conexões que vão além do turismo tradicional. “Pensa só: quando alguém visita uma comunidade indígena e tem a oportunidade de vivenciar seu modo de vida, ouvir suas histórias, experimentar suas comidas e conhecer seus costumes, isso gera um impacto profundo. Ao invés de enxergar essas culturas como algo distante ou exótico, o visitante passa a entendê-las como parte fundamental da identidade do país. Isso ajuda a desconstruir preconceitos e a fortalecer o respeito pela diversidade cultural”.

Mas é claro que isso só funciona bem quando o turismo é planejado de forma ética e sustentável. Se for invasivo ou exploratório, pode acabar prejudicando mais do que ajudando. Por isso, o protagonismo dos povos indígenas na gestão das atividades turísticas é essencial — eles precisam decidir como querem que esse contato aconteça e de que forma desejam se apresentar ao mundo.

Dihego Espíndola faz um alerta para o turismo exploratório, que surgiu com a lógica da mercantilização dos territórios, “Durante séculos, comunidades indígenas e tradicionais foram vistas apenas como parte da paisagem, sem voz ativa na forma como suas terras e culturas eram apresentadas aos visitantes. Muitas vezes, esse tipo de turismo envolvia a apropriação de elementos culturais para entretenimento, sem qualquer benefício real para os povos originários. Isso levou à distorção de tradições, à perda de identidade e, em alguns casos, até à expulsão de comunidades de seus territórios para dar lugar a empreendimentos turísticos”

O mestre em Antropologia explica a importância da organização, principalmente em um turismo como esse, em que a má condução pode gerar impactos negativos. Quando bem planejado, o turismo pode fortalecer identidades culturais, ajudando comunidades a preservar suas tradições e compartilhar seus conhecimentos com visitantes, sendo assim uma ferramenta poderosa para a valorização cultural.

Por outro lado, existe o turismo exploratório e descontrolado, no qual a comercialização excessiva da cultura pode levar à perda de autenticidade, transformando tradições em meros produtos para agradar turistas. O impacto ambiental também é uma preocupação, já que o aumento do fluxo de visitantes pode afetar ecossistemas frágeis. Além disso, há o risco de desigualdade econômica, onde apenas grandes empresas lucram, enquanto as comunidades locais ficam à margem.

“O segredo para um turismo positivo está no protagonismo das comunidades. Quando elas têm autonomia para decidir como querem receber visitantes e como desejam apresentar sua cultura, os benefícios tendem a superar os riscos. O turismo pode ser uma ponte entre culturas, mas precisa ser feito com respeito e responsabilidade”, conclui o especialista.


Roteiros turísticos


O turismo indígena em Mato Grosso do Sul se fortaleceu com a criação de roteiros que aliam valorização cultural, geração de renda e sustentabilidade. Com 116.346 indígenas, conforme o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado concentra a segunda maior população indígena do país, atrás apenas do Amazonas. Além das aldeias rurais, o modelo urbano também atrai visitantes e impulsiona a economia local.

Em Campo Grande, a Aldeia Urbana Marçal de Souza é referência no segmento. Localizada na região do Bairro Tiradentes, reúne cerca de 200 famílias das etnias Guarani, Terena e Kaiowá. No espaço, o Memorial da Cultura Indígena funciona como centro cultural e ponto de comercialização de artesanato. A aldeia também promove apresentações de dança, música e culinária típica.

Outro ponto de visitação é a Praça Oshiro Takemori, no centro da capital, próxima ao mercadão municipal de Campo Grande, onde indígenas Terena expõem e vendem diariamente peças artesanais e produtos naturais. A feira se consolidou como espaço de convivência entre moradores da cidade e representantes das comunidades indígenas.

O Parque das Nações Indígenas também integra o circuito turístico-cultural da capital. Com 119 hectares, é um dos maiores parques urbanos do Brasil e abriga o Monumento ao Índio, em homenagem às etnias da região.


Monumento ao Índio, no Parque das Nações Indígenas / Foto: Roberta Dorneles
Monumento ao Índio, no Parque das Nações Indígenas / Foto: Roberta Dorneles

Em Nioaque, a 180 km da capital, quatro aldeias - Água Branca, Cabeceira, Taboquinha e Brejão - desenvolvem projetos de turismo de base comunitária com apoio do Sebrae/MS e da Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul. Os roteiros incluem atividades de imersão cultural, oficinas de artesanato, trilhas ecológicas e rodas de conversa com lideranças indígenas.

O município também abriga o “Ciclo Etnias”, roteiro ciclístico de 23 quilômetros que conecta aldeias indígenas e comunidades quilombolas. A proposta combina atividade esportiva com experiências culturais e gastronômicas ao longo do percurso.

Em Miranda, a Aldeia Moreira, na Terra Indígena Pílad Rebuá, aposta em iniciativas sustentáveis. Por meio do projeto “ECOMoreira”, a comunidade promove minicursos agroflorestais e visitas guiadas que apresentam práticas de reflorestamento e preservação da biodiversidade aliadas à cultura Terena.

De acordo com o site da Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul (Fundtur-MS), o estado tem priorizado a estruturação desses roteiros e a formação de guias indígenas. A meta é fortalecer o setor como atividade econômica e preservar o patrimônio cultural das etnias.

 

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