A história de um sebo pioneiro no coração da Cidade Morena
Texto: Gabrielly Miranda; Letícia Nantes; Maria Edite Vendas
Fotos: Letícia Nantes
A fachada marrom da livraria Hamurabi guarda uma simplicidade encantadora. Não há extravagâncias em sua arquitetura, mas um equilíbrio entre o antigo e o moderno, que talhado nas falsas ranhuras do papel de parede, sussurra a história de uma geração. Com letras garrafais, a frente discreta da loja parece quase ser engolida pelo movimento apressado da rua 14 de julho. Mas, ao cruzar a porta de vidro, o som de passos de uma das ruas mais movimentadas de Campo Grande se dissolve, dando lugar a uma música ambiente acolhedora, onde o cheiro das páginas é dominante.
No interior, estantes bem alinhadas acolhem uma vasta coleção de livros de diversos gêneros, sinopses e que possuem a capacidade de acolher o mais específico dos gostos literários. Em seu centro, uma coleção de discos de vinil marcam a personalidade retrô e compõem a decoração. Sob preços diversos, descansam verdadeiras relíquias musicais brasileiras: o lirismo de Elis Regina, a paixão de Belchior, a força dos acordes de Gilberto Gil, e até mesmo a animação de Rita Lee com o seu antigo grupo Tutti Frutti. Mais ao fundo, ao adentrar o mundo cultural presente dentro da livraria, encontrará estantes de mangás e HQs para todos os gostos, organizados em ordem alfabética por autor.
Perfil de clientes: funcionários relatam que os discos de vinil são mais populares entre o público masculino, enquanto os livros são majoritariamente consumidos pelo público feminino
Fundado em 1988 por Cícero Soares, o primeiro sebo da cidade nasceu motivado por um gosto pessoal pela literatura e um apreço pelas ciências jurídicas. Apreço esse que está presente no próprio nome escolhido. Hamurabi foi um importante rei da Babilônia que elaborou o primeiro código de leis da história. Assim, veio como um dos objetivos democratizar o acesso ao conhecimento e ao lazer, oferecendo livros novos e usados, materiais pedagógicos e jurídicos com um preço acessível. Cícero, com seu jeito tranquilo e olhar profundo, costumava ocupar o balcão da loja, ajudando os clientes a encontrar os livros que precisavam, e algumas vezes, transformando a vida deles sem saber. Foi o que aconteceu com Hélio Rodrigues, hoje com 60 anos, que em 1991, trabalhava no Tribunal de Justiça.
“Nessa época eu havia acabado de me formar. Eu precisava de alguns livros jurídicos, mas eles eram muito caros e como eu trabalhava há pouco tempo, ainda não conseguia comprar todos. Um colega me recomendou a Hamurabi e isso sem dúvidas me ajudou muito nesses primeiros anos”.
Com o passar dos anos, a Hamurabi se transformou. Já não ocupa o grande espaço de antes, se dividiu como uma célula ao inaugurar a sua segunda unidade na cidade mas continua fiel ao espírito de acolher leitores de todos os tipos, agora de maneira mais segmentada e assertiva para cada tipo de público. Atualmente, o filho de Cícero, Bruno Soares, tem mantido viva a essência do sebo.
“Eu acompanho toda a trajetória da empresa… Quando a gente começou foi uma novidade, em cinco, seis meses de operação a loja estava dando certo. Porque não existia aqui no estado ainda. Tanto é que às vezes, o pessoal no começo da empresa, só passava na frente da loja. Havia pessoas que até iam conversar com o meu pai e falavam que ele era meio louco. A gente nunca viu isso aqui, será que vai dar certo? Mas na verdade começou a pegar”.
O tempo foi algo impossível de evitar e a livraria, que já contou com cerca de 13 funcionários, hoje opera com um número bem reduzido. Mas entre os discos de músicas populares e as estantes de romances clichês, os funcionários Marco Marianki e Jeniffer de Carvalho compartilham com os clientes, principalmente, o gosto e a paixão pela literatura.
“Se você conversa sobre literatura como uma coisa que você gosta, é muito mais fácil você ler ou convencer alguém, sabe? Se você conhece mais autores, mais livros, você consegue recomendar mais fácil”. Marco trabalhou na empresa antes mesmo de Bruno assumir a gerência e se recorda de um tempo em que o sebo não era tão digital quanto hoje em dia.
Com a chegada arrebatadora das redes sociais, a Hamurabi não viu outra alternativa se não abraçar esse novo mundo e se reinventar, isso possibilitou uma expansão no público que a frequenta e consequentemente uma diversidade dos produtos ofertados. Miniaturas de personagens, roupas temáticas e artigos da cultura japonesa estão presentes na livraria e podem te teletransportar para seu mundo fictício favorito.
Se você se interessou, a livraria tem sua unidade principal na Rua 14 de Julho, 1680, no centro da capital, além de outra unidade, que ainda está sendo preparada, na Rua Sérgio Garabini, 265. E em concordância às mudanças no acervo devido ao passar dos anos, ambas as lojas passaram a contar com a ajuda do instagram (@hamurabilivrariacg e @sebohamurabi) nas vendas.
foi um prazer trabalhar nessa matéria!!!