O diagnóstico tardio, o estigma social e a necessidade de tratamento multidisciplinar estão relacionados com as dores de quem sofre com essa enfermidade
Beatriz Barreto Cardozo e Glenda Rodrigues Oliveira

Um ciclo vicioso amanhece junto com o toque do despertador: é hora de iniciar uma rotina normal, ter um bom desempenho no trabalho, na maternidade e no casamento. Porém, há um fator que emperra essas exigências sociais. As dores crônicas que marcam os sintomas da Fibromialgia, uma enfermidade que acomete principalmente as mulheres, afeta a rotina e pode desencadear outras doenças, como a depressão ou a agorafobia - que é o medo de sair de casa.
Incômodos intensos e inflamações pelo corpo todo são queixas recorrentes de seus portadores. Por se referir a dores musculares generalizadas que não possuem evidências visíveis ou causas comprovadas e estarem associadas a outras enfermidades, o diagnóstico pode ser dificultado. Saber identificar os sintomas é o primeiro passo para encontrar ajuda profissional especializada e/ou multidisciplinar. Quando a cura não é possível, a alternativa é buscar o conforto. Esse é o lema da campanha 'Fevereiro Roxo', criada para promover o tratamento e aumentar a conscientização sobre doenças crônicas e incuráveis, como a Fibromialgia, que é um dos principais focos da iniciativa.
Além das dores generalizadas que atingem diversificados pontos do corpo como (regiões do cotovelo, interna do joelho, músculo do pescoço, cervical posterior do tórax, lateral do quadril e posterior do bumbum), alterações do sono, de humor, cognitivas e psíquicas relacionadas a ansiedade e depressão e/ou fadiga, dores de cabeça, no estômago e intestinais são os principais sintomas da doença. O diagnóstico é clínico e feito por um médico reumatologista, que investigará os sintomas de dor presentes por mais de três meses em todo o corpo e a presença de pontos dolorosos na musculatura, sendo no mínimo 11 pontos de 18 que estão pré-estabelecidos para a constatação. O Projeto de Lei 598/23 classifica a Fibromialgia como deficiência e faz com que o Sistema Único de Saúde (SUS) forneça gratuitamente medicamentos para tratar a doença.
Vidas afetadas
Ana Paula Lima, 49 anos, conta com o acompanhamento multidisciplinar psiquiátrico e reumatológico há 7 anos. Afirma que a combinação das medicações com o método terapêutico utilizado têm trazido alívio para as dores. "Uso 100 MG de amitriptilina alprazolam de 1 Mg para dor crônica de fibromialgia e faço hidroterapia duas vezes por semana. A água e os remédios reduzem a sensação de dor, mas não garantem cura", afirma.
Devido a Fibromialgia se relacionar com a presença compartilhada de outras doenças, obter o diagnóstico pode ser um processo demorado, com diversas idas a consultórios médicos e unidades de saúde. De acordo com o site oficial da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), do total, pelo menos 5% dos pacientes têm o primeiro contato em consultórios de clínica médica e, de 10 a 15% dos pacientes, em consultórios de reumatologia. O que poderia justificar esse comportamento na opinião do médico reumatologista que atende em Campo Grande (MS), Renato Tavares (CRM 9214 – RQE 7092), são os desconhecimentos misturados, o primeiro, pôr de se tratar de uma doença de inflamação muscular generalizada no qual apesar de sentir dores em múltiplas regiões do corpo, o paciente procura solucionar apenas uma determinada parte de maior incômodo e o segundo, pela falta de educação médica tida pela população, a desconhecer as especificidades do trabalho de cada profissional. Explica que a reumatologia é uma área considerada “nova" na medicina, que começou a ganhar reconhecimento no Brasil a partir dos anos 60, diferente de outras áreas como a ortopedia.
Outra questão pontuada por Renato, é o estigma social que envolve a doença. “Depois de toda a demora implicada, o paciente chega fragilizado no consultório com muitas dores relatando: ‘Eu não quero nem falar pro meu marido mais, porque todo dia eu reclamo, nem pro meu filho. No trabalho, todo mundo pergunta se eu estou bem e eu não tenho problema nenhum físico aparente para citar, igual a depressão e ansiedade’, então tenho que os esclarecer que, assim como nos transtornos psicológicos e psiquiátricos, a pessoa que tem Fibromialgia não aparenta fisicamente, mas tem um transtorno que atrapalha muito sua qualidade de vida e a autonomia e, o serviço médico é essencial”.
O peso de sentir dores invisíveis, recorrentes e quase incapacitantes, somado ao desconhecimento sobre a atuação da reumatologia para tratamento desse tipo de quadro clínico, faz a dor se prolongar por semanas, meses e até anos. O que seria considerado um quadro agudo da doença reumatológica pode se tornar crônico em razão da demora. Renato afirma que a presença constante de dores pode gerar irritabilidade, aversão a contato social, ansiedade e, até mesmo, depressão. A disposição para socializar, trabalhar, maternar e fazer exercícios físicos se torna ínfima ou nula, mas precisam ser incentivadas. Nesses casos a intervenção multidisciplinar, com atuação de reumatologistas, psiquiatras, psicólogos, educadores físicos e fisioterapeutas, é primordial.
Além de Fibromialgia, André Luiz, 45 anos, possui a doença reumatológica Espondilite Anquilosante que se trata também de uma inflamação crônica. Com dores intensas desde a sua juventude aos 14 anos, consultou primeiramente um ortopedista na busca de ajuda médica somente aos 36, na fase adulta. Opina que o despreparo médico no atendimento inicial foi o que mais o chateou e cooperou para a tardia indicação para o diagnóstico reumatológico. “É preciso que qualquer profissional esteja habilitado para ouvir a pessoa doente e lhe dar opções de tratamento que sejam melhores para ela. Eu faço tratamento das dores crônicas há 9 anos, psiquiátrico, reumatológico, com neurocirurgião e possuo um implante com uma bomba de morfina para liberação contínua na medula óssea”, acentua.
Pelo diagnóstico ser mais comum para a população feminina, o diagnóstico é infrequente para o público masculino. Segundo a SBR, de cada 10 pacientes com fibromialgia, sete a nove são mulheres e não se sabe ao certo, a razão porque isto acontece.
O QUE FAZ UM REUMATOLOGISTA E QUANDO SUSPEITAR DE DOENÇA REUMATOLÓGICA? Reumatologia é uma área da medicina especializada no atendimento de todas as faixas etárias que apresentem enfermidades relacionadas a tendões, articulações, ligamentos, músculos e sistema imunológico. Além do desconhecimento sobre essa especialidade médica relativamente nova, um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ), em 2022, ouviu 2.099 pessoas em 151 municípios brasileiros, e concluiu que a automedicação acontece em 89% dos entrevistados e uso de analségico sem prescrição médica, em 64%. Esse cenário revela a importância de se conhecer a reumatologia, saber diferenciá-la de outras especialidades, como a ortopedia, e entender quando procurar ajuda profissional. A intervenção de um ortopedista é necessária quando os sintomas são resultantes de trauma, com luxações, torções, lesões e fraturas. Já a atuação de reumatologista é indicado para diagnóstico e tratamento de doenças com manifestações crônicas, acompanhadas de indícios de inflamação, que, em regra, dificultam o movimento das pessoas dentro da normalidade esperada. Sentiu dor crônica? A reumatologia pode ser a área médica indicada para o seu tratamento. |

Atividade física como base para o tratamento da fibromialgia
Tavares também salienta a importância da atividade física como sendo o principal tratamento para contenção das dores dessa enfermidade. “O tratamento da fibromialgia é um tripé: medicamentoso; exercício físico, que é a base do tratamento, é o principal tratamento; e, na maioria das vezes, tratamento psicoterápico”, detalha o médico. O acompanhamento do paciente por psicólogos e psiquiatras, em regra, compõe a intervenção multidisciplinar que a doença exige. O profissional afirma ser consenso entre os reumatologistas que o paciente sem fazer exercício físico jamais ficará sem usar ou diminuirá a dosagem do medicamento. Ele aponta que o exercício físico é o tratamento principal da fibromialgia e das demais doenças agregadas, como a depressão e a ansiedade.
Marlon de Oliveira, educador físico, é personal trainer de aluna que apresenta esse quadro clínico. As dores nas articulações, especialmente do quadril e dos joelhos, são uma queixa constante. Contudo, a aluna que, no começo, conseguia fazer somente pedaladas na bicicleta ergométrica, hoje pratica musculação e já apresentou melhora considerável. O professor afirma que, diante de um quadro de dores, há uma certa resistência em começar a prática de exercícios, porém, nesses casos, atividades de baixo impacto, como caminhada, ciclismo e natação, são recomendadas. Uma noite bem dormida também é essencial para a evolução da condição física, redução dos sintomas das dores, melhora na qualidade de vida e disposição.
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