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Explosão das batalhas de rima em Campo Grande

  • lauras05
  • 11 de abr.
  • 7 min de leitura

Resistência e cultura nas periferias de Campo Grande


Keyla dos Santos



Primeira edição da batalha da leste em 2022 ( Foto: Arquivo pessoal )
Primeira edição da batalha da leste em 2022 ( Foto: Arquivo pessoal )

Nos últimos anos, as batalhas de rima se consolidaram como um dos principais fenômenos culturais da juventude urbana em Campo Grande, MS. O movimento, que começou a ganhar força no ano de 2010, tornou-se uma plataforma de expressão artística e resistência para os jovens da periferia. Com a ascensão de eventos voltados para a cultura hip-hop, como rodas de freestyle e encontros de rua, a cidade viu crescer um cenário vibrante, em que MCs transformam suas vivências em versos afiados e rimas improvisadas. 

 Projetos como o "Da Ponte Pra Cá, Da Escola Pra Lá" têm desempenhado um papel essencial na difusão dessa cultura, proporcionando um espaço de inclusão e troca artística. A iniciativa surgiu em 2023, com a MC Serena, após ela sentir a necessidade de estruturar um projeto no qual pudesse exercer todas as ações que já desenvolvia enquanto artista de forma prática. Dessa forma, alunos das escolas da rede pública participaram de oficinas de batalhas de rima. A primeira edição foi realizada em 2024 e todo o projeto foi apoiado pela Secretaria de Cultura e Turismo (Sectur) e recebeu incentivos por meio da Lei Paulo Gustavo. O projeto segue ativo e terá sua 2ª edição realizada no ano de 2025.

Um dos principais exemplos desse crescimento é a Batalha da Leste (BDL), que ocorre semanalmente na Praça do Preto Velho. Criada em 2022 pelos MCs Corvalan, Cebolinha e Moranguinho, a batalha começou de forma modesta, com uma pequena caixa de som e alguns MCs dispostos a rimar. Hoje, já conta com 48 edições e um público fiel. Em 2024, a BDL ganhou um reforço importante com a chegada de CJ, um experiente artista de rua que ajudou a fortalecer o projeto e expandir sua visibilidade. A batalha se tornou um verdadeiro centro de resistência cultural, reunindo jovens em busca de representatividade e expressão artística. 

 Além das rimas afiadas, eventos como a BDL também se destacam pela diversidade de manifestações culturais que promovem. DJs, grafiteiros e dançarinos de break fazem parte desse ecossistema criativo, que resgata e fortalece a cultura hip-hop na cidade. As batalhas não são apenas um palco para a competição, mas também um espaço de pertencimento, em que os participantes encontram voz para suas histórias e desafios. Em um cenário onde a cultura alternativa busca mais espaços, as batalhas de rima seguem como um dos movimentos mais autênticos e potentes da juventude campo-grandense.

 

Resistência, desafios e transformação cultural

 

O crescimento das batalhas de rima em Campo Grande, MS tem sido impulsionado pela visibilidade que o freestyle vem ganhando na internet, especialmente em grandes polos como Rio de Janeiro e São Paulo. Para a produtora cultural Alessandra Coelho, atuante na cena, esse fenômeno é positivo, pois amplia o reconhecimento dos MCs locais. “Que bom que os artistas da rima do improviso estão sendo valorizados”, destaca.

 No entanto, ela também aponta que a cultura de rua ainda enfrenta muitos desafios para alcançar o mesmo patamar de outras manifestações artísticas. 

 Um dos grandes obstáculos para a consolidação das batalhas de rima é a falta de apoio institucional. “A gente não tem apoio de nenhuma empresa. Quem valoriza de fato a cultura local são os pequenos empreendedores, os artistas independentes, os artesãos”, afirma a produtora. A luta por visibilidade se torna ainda mais complexa quando se trata da participação feminina no freestyle. “Organizo uma batalha só de mulheres MCs, mas é muito difícil fechar uma chave com 16 participantes. O ambiente ainda é muito masculino, e a misoginia dentro da própria cultura dificulta nossa presença”, explica. Para ela, a criação de espaços seguros e acolhedores é fundamental para que as mulheres e a comunidade LGBTQ+ tenham mais protagonismo nas batalhas. 

 

Para os MCs, entrar na cena é um processo desafiador, mas também enriquecedor. O  jovem batalhador Rodrigo Vieira Buchara, conta que foi incentivado por amigos e familiares a começar a rimar e que sua formação em teatro o ajudou a desenvolver suas performances. “Eu via muita importância em levar para a rua o que aprendi na universidade, compartilhar conhecimento”. Ele destaca que aprender a lidar com derrotas também foi essencial para seu crescimento: “Perder de um MC melhor do que você naquele momento ensina muito. A minha primeira vitória foi importante, mas também aprendi muito no dia em que cheguei à final e fui superado”. 

 O treino e a preparação para as batalhas vão além do improviso na hora da disputa. Segundo o MC Digu, escutar outros batalhadores é essencial para o aprendizado. “Não é só rimar, é observar, entender como cada um constrói suas rimas. O improviso é efêmero, mas ele carrega significados que só quem está na roda consegue captar”. Ele também reforça que o estudo constante e a prática diária são indispensáveis para evoluir na cena. 

 Manter-se relevante nas batalhas é outro desafio. O Mc relata que, apesar de já ter conquistado reconhecimento em pouco tempo, percebe que a cena ainda tem problemas, como a falta de valorização de novos talentos. “Nem todo mundo presta atenção quando um MC desconhecido está batalhando. Muitos só se interessam pelos nomes já estabelecidos”. No entanto, ele reforça que a dedicação e o respeito ao movimento são fundamentais para quem quer crescer na cultura hip-hop. “Eu sou apaixonado por batalhas de rima, e cada aprendizado, cada vitória ou derrota, faz parte dessa jornada. O importante é continuar”.

 

Batalha da Leste: A Cena do Rap que Transformou a Periferia

 

A cultura das batalhas de rima tem sido um dos principais motores da cena hip hop no Brasil, e a Batalha da Leste é um exemplo vivo desse movimento. Criada para dar mais acessibilidade aos MCs da região, a batalha surgiu de uma necessidade sentida por organizadores já experientes no meio. "A gente entendia que tinha muitos MCs que não iam pra outras batalhas por morarem longe, por não conseguirem chegar até lá", explica MC CJ, um dos grandes nomes da cena e um dos primeiros a apoiar o projeto. 

 Embora não tenha sido um dos criadores, CJ esteve envolvido desde o início e viu o impacto da batalha na vida dos jovens. "A ideia era criar uma batalha que tivesse esse fácil acesso regional, para que mais nomes pudessem surgir", conta. Segundo ele, essa descentralização é essencial para que cada quebrada tenha sua própria cena e, assim, novos talentos possam surgir. "É importante que a molecada tenha contato com essa cultura desde cedo, que vejam as batalhas acontecendo ali, perto de casa, e sintam vontade de participar", completa. 

 A história de CJ no rap começou há mais de uma década, inspirada por nomes como MC Douglas Dean e MC Crisim. "Eu comecei a rimar lá por 2012, inspirado pelas batalhas que aconteciam em Belo Horizonte. Mas eu não me identificava tanto com as batalhas de São Paulo e Rio, e sim com as de BH", relembra. Com o tempo, a brincadeira entre amigos virou algo sério e CJ passou a competir profissionalmente. Em 2022, ele viveu um dos momentos mais marcantes da sua carreira ao representar o Mato Grosso do Sul no campeonato nacional. "Foi minha primeira viagem de avião, minha primeira vez em BH. Tudo pago pelo rap. Uma experiência única". 

 Além de competir, CJ também tem se dedicado a projetos sociais. Em 2024, ele foi oficineiro no projeto "Da Ponte pra Cá, Da escola pra Lá", que levou batalhas de rima para escolas e unidades de internação. "Foi emocionante ver jovens que carregam os mesmos estereótipos e traços que eu, mas que talvez não tenham tido a mesma chance que eu tive. O rap pode ser essa chave de mudança, essa nova perspectiva de vida". 

 Olhando para o futuro, CJ está focado na produção de eventos, como o estadual que classifica o melhor MC do Mato Grosso do Sul e a comemoração dos três anos da Batalha da Leste. "Estamos há sete meses organizando esse evento, e acredito que será o maior do nicho de batalhas de rima no estado". A expectativa é grande, mas uma coisa é certa: a Batalha da Leste já se firmou como um espaço essencial para a cultura hip hop e para o crescimento de novos talentos.

 No cenário do freestyle brasileiro, as batalhas de rima têm se consolidado como um espaço de resistência, expressão e entretenimento. Para MC Gun, artista que atua no Mato Grosso do Sul, essa cultura vai muito além da disputa verbal: é uma forma de dar voz a quem a sociedade frequentemente ignora.

 

“ As batalhas são um espaço de voz justamente para quem não tem voz, para quem a sociedade exclui, para quem sofre preconceito", afirma o MC.”

 

Desde cedo, Gun se interessou pelo freestyle por influência de amigos. "Minha maior inspiração pra começar a fazer freestyle foi um amigo meu, o GS. Ele nem participa das batalhas, mas sempre foi o melhor entre os amigos, e isso criou uma competição saudável", relembra. Foi assim que ele começou a rimar de maneira despretensiosa, até perceber que poderia transformar sua paixão em arte. "Chegou um ponto que eu falei: 'Tô conseguindo expressar minha arte, agora tá na hora de cair pra rua e fazer isso nas batalhas'". 



 Além de competidor, MC Gun também contribui para fortalecer a cena local. Ele faz parte da organização da Batalha da Leste (BDL), um projeto independente que busca dar visibilidade ao rap na região. "Nosso maior desafio é consolidar a cena de freestyle no MS.

"A gente não tem apoio, raramente consegue patrocínio. Tudo é na base da correria, desde conseguir som e iluminação até atrair público". 

 Mesmo diante das dificuldades, Gun segue determinado a expandir seu trabalho e levar o rap sul-mato-grossense para outros estados. "Quero mostrar que aqui também tem rap, rap bom. Nosso sonho é que a cena cresça a ponto de conseguir exportar essas rimas para outras regiões do Brasil", projeta o MC.

 

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