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Desistir (não) é uma opção

  • lauras05
  • 16 de abr.
  • 4 min de leitura

Artistas de Campo Grande resistem à falta de apoio e dificuldades financeiras


Texto e imagens: Isadora Colete, Julia Nogueira, Murilo Medeiros e Pietra Dorneles



No pontilhão da Av. Ceará, sobre a Av. Ricardo Brandão, painel pintado sobre pichação levantou debate sobre o que é arte
No pontilhão da Av. Ceará, sobre a Av. Ricardo Brandão, painel pintado sobre pichação levantou debate sobre o que é arte

Na terra do agro, quem tenta ser artista dá de cara com a porteira fechada: para oportunidades, para reconhecimento e principalmente para seguir seus sonhos. Sem apoio e com poucos recursos financeiros, para muitos o jeito é desistir da vida na arte.

A diretora e fundadora do Grupo Casa, coletivo de artistas sul-mato-grossenses, Lígia Tristão Prieto, precisou, por necessidade, ser uma artista multifuncional. “Diretora, escritora, teatróloga, roteirista e dramaturga, enfim, sou multiuso. Essa é uma saída ou uma necessidade de artistas que vivem no estado de Mato Grosso do Sul. Todo mundo precisa ser multiartista para conseguir viver aqui”.


Ligia mantém o sorriso no rosto ao contar sua trajetória
Ligia mantém o sorriso no rosto ao contar sua trajetória

Artista há 24 anos, ela começou a fazer poesia no momento em que aprendeu a escrever, aos sete anos de idade. Mesmo seguindo os passos da mãe, a também poeta Nildes Tristão Prieto, Lígia não recebeu o apoio que esperava. “Minha mãe falava que eu podia fazer o que quisesse, menos ser artista. Era um medo absoluto que ela tinha de eu passar fome”.

A família da professora, produtora cultural, escritora e slammer (poeta que participa de batalhas de poesia) campo-grandense Alessandra Coelho, também teve dificuldade em aceitar a arte como profissão. “Minha mãe nunca me desmotivou, mas ela sempre foi bem realista comigo, falando sobre o quanto é difícil sobreviver da arte enquanto trabalho, e em outras partes da família nunca tive muito apoio para nenhuma carreira que eu quisesse seguir, que não fosse algo bem capitalista, lucrativo e liberal no sentido econômico”.

 

Apoio do poder público

 

Se não há apoio em casa, resta procurar ajuda fora dela. O poder público, nas esferas municipal, estadual e federal, oferece fomento financeiro à cultura por meio de editais e leis específicas. Artistas e produtores podem se inscrever para receber apoio financeiro com objetivo de realizar projetos culturais.

Os recursos, contudo, são limitados e as inscrições são muito burocráticas na opinião da produtora cultural Luana Peralta. “É um incentivo mínimo. Falta valorização, oportunidades de estudo e de capacitação para agregar na profissionalização”.

Segundo o Governo do Estado, os editais disponibilizados pelas leis existentes eram realizados de modo emergencial, como a Lei Aldir Blanc 1 e a Lei Paulo Gustavo. Em 2022 foi criada a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), que prometeu estimular a cultura nacionalmente ao apoiar todos os Estados, o Distrito Federal e os municípios brasileiros durante cinco anos, de forma regular por meio de projetos e programas. Em 2023, a PNAB passou a valer em Mato Grosso do Sul.

Alessandra Coelho concorda que as políticas públicas de incentivo à arte precisam ser simplificadas. “São complicações absurdas para acessar esse dinheiro. Todo dia que eu me deparo com políticas públicas voltadas para cultura, é uma complicação que às vezes parece proposital, para desmotivar e nos desarticular”.

Lígia Tristão considera os editais necessários, mas insuficientes. “A gente não precisa somente dos editais e sim de políticas públicas, de uma estrutura, de artes nas escolas, de artes em todos os lugares. Quando a gente muda os governos, a impressão que dá, enquanto artista, é que começa do zero de novo”.

Além da luta enquanto artistas, o peso de ser mulher surge como uma segunda luta contra o apagamento de suas vozes. São desafios diários que podem servir como um agravante do número de desistência da classe artística feminina. “Além de lutar pelo nosso trabalho, a gente precisa lutar para validar o nosso trabalho”, critica Lígia.

Ale Coelho vive uma tripla jornada. É professora em um turno, produtora e artista em outro, e mulher o dia todo. “Eu já fui muito menosprezada na área em que eu tenho competência, mas eu sou muito foda, eu tenho estudo, e o fato de eu ser mulher me atravessa independente do cenário”.

Mesmo com seus trabalhos invalidados pela cena cultural em que estão inseridas, a persistência não deixou de ser uma opção. “O trabalho da mulher precisa obrigatoriamente ser muito melhor para ter algum destaque. Cabe a nós nos posicionarmos como boas no que fazemos e isso assusta”, explica Luana.

Com todos esses desafios, elas rejeitam desistir de viver da arte. “A cada dois dias dá vontade de desistir, por falta de apoio, principalmente financeiro. Produzir é trabalhoso e não é valorizado. A arte liberta, ensina, faz nos tornarmos pessoas melhores. A arte é linda, e não desistir é acreditar no seu valor, no que ela pode proporcionar de bom pra sociedade”, relata a produtora Luana Peralta.

 Alessandra Coelho vive a mesma agonia de Luana, mas, para ela, a vontade de abandonar a arte é ainda mais frequente. “Todos os dias eu penso em desistir. A maioria dos artistas que eu conheço fazem arte por necessidade, porque além de trabalho é uma saída. O que me faz continuar é não ter outra escolha”, lamenta.

Para quem vive disso, a arte é o alimento da alma. Mesmo que, às vezes, insustentável financeiramente, a cultura é uma necessidade vital para os artistas. “Não tem outra opção, não posso deixar de ser artista. Não é uma opção para mim, porque não consigo deixar de ser quem eu sou. A gente precisa dar um jeito, porque senão a gente morre”, explica Lígia Tristão Prieto.

O Grupo Casa, coletivo fundado por Lígia, serve como rede de apoio para 22 artistas independentes. Para Lígia, a única saída para não desistir é caminhar juntos. “Criar uma rede de sustentação que faz com que a gente não duvide da gente. Quando alguém cansa de remar, a gente tem outras pessoas que remam junto. Viver em coletivo é enfrentar o mundo de uma forma um pouco mais fácil”.


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