Desistir (não) é uma opção
- lauras05
- 16 de abr.
- 4 min de leitura
Artistas de Campo Grande resistem à falta de apoio e dificuldades financeiras
Texto e imagens: Isadora Colete, Julia Nogueira, Murilo Medeiros e Pietra Dorneles

Na terra do agro, quem tenta ser artista dá de cara com a porteira fechada: para oportunidades, para reconhecimento e principalmente para seguir seus sonhos. Sem apoio e com poucos recursos financeiros, para muitos o jeito é desistir da vida na arte.
A diretora e fundadora do Grupo Casa, coletivo de artistas sul-mato-grossenses, Lígia Tristão Prieto, precisou, por necessidade, ser uma artista multifuncional. “Diretora, escritora, teatróloga, roteirista e dramaturga, enfim, sou multiuso. Essa é uma saída ou uma necessidade de artistas que vivem no estado de Mato Grosso do Sul. Todo mundo precisa ser multiartista para conseguir viver aqui”.

Artista há 24 anos, ela começou a fazer poesia no momento em que aprendeu a escrever, aos sete anos de idade. Mesmo seguindo os passos da mãe, a também poeta Nildes Tristão Prieto, Lígia não recebeu o apoio que esperava. “Minha mãe falava que eu podia fazer o que quisesse, menos ser artista. Era um medo absoluto que ela tinha de eu passar fome”.
A família da professora, produtora cultural, escritora e slammer (poeta que participa de batalhas de poesia) campo-grandense Alessandra Coelho, também teve dificuldade em aceitar a arte como profissão. “Minha mãe nunca me desmotivou, mas ela sempre foi bem realista comigo, falando sobre o quanto é difícil sobreviver da arte enquanto trabalho, e em outras partes da família nunca tive muito apoio para nenhuma carreira que eu quisesse seguir, que não fosse algo bem capitalista, lucrativo e liberal no sentido econômico”.
Apoio do poder público
Se não há apoio em casa, resta procurar ajuda fora dela. O poder público, nas esferas municipal, estadual e federal, oferece fomento financeiro à cultura por meio de editais e leis específicas. Artistas e produtores podem se inscrever para receber apoio financeiro com objetivo de realizar projetos culturais.
Os recursos, contudo, são limitados e as inscrições são muito burocráticas na opinião da produtora cultural Luana Peralta. “É um incentivo mínimo. Falta valorização, oportunidades de estudo e de capacitação para agregar na profissionalização”.
Segundo o Governo do Estado, os editais disponibilizados pelas leis existentes eram realizados de modo emergencial, como a Lei Aldir Blanc 1 e a Lei Paulo Gustavo. Em 2022 foi criada a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), que prometeu estimular a cultura nacionalmente ao apoiar todos os Estados, o Distrito Federal e os municípios brasileiros durante cinco anos, de forma regular por meio de projetos e programas. Em 2023, a PNAB passou a valer em Mato Grosso do Sul.
Alessandra Coelho concorda que as políticas públicas de incentivo à arte precisam ser simplificadas. “São complicações absurdas para acessar esse dinheiro. Todo dia que eu me deparo com políticas públicas voltadas para cultura, é uma complicação que às vezes parece proposital, para desmotivar e nos desarticular”.
Lígia Tristão considera os editais necessários, mas insuficientes. “A gente não precisa somente dos editais e sim de políticas públicas, de uma estrutura, de artes nas escolas, de artes em todos os lugares. Quando a gente muda os governos, a impressão que dá, enquanto artista, é que começa do zero de novo”.
Além da luta enquanto artistas, o peso de ser mulher surge como uma segunda luta contra o apagamento de suas vozes. São desafios diários que podem servir como um agravante do número de desistência da classe artística feminina. “Além de lutar pelo nosso trabalho, a gente precisa lutar para validar o nosso trabalho”, critica Lígia.
Ale Coelho vive uma tripla jornada. É professora em um turno, produtora e artista em outro, e mulher o dia todo. “Eu já fui muito menosprezada na área em que eu tenho competência, mas eu sou muito foda, eu tenho estudo, e o fato de eu ser mulher me atravessa independente do cenário”.
Mesmo com seus trabalhos invalidados pela cena cultural em que estão inseridas, a persistência não deixou de ser uma opção. “O trabalho da mulher precisa obrigatoriamente ser muito melhor para ter algum destaque. Cabe a nós nos posicionarmos como boas no que fazemos e isso assusta”, explica Luana.
Com todos esses desafios, elas rejeitam desistir de viver da arte. “A cada dois dias dá vontade de desistir, por falta de apoio, principalmente financeiro. Produzir é trabalhoso e não é valorizado. A arte liberta, ensina, faz nos tornarmos pessoas melhores. A arte é linda, e não desistir é acreditar no seu valor, no que ela pode proporcionar de bom pra sociedade”, relata a produtora Luana Peralta.
Alessandra Coelho vive a mesma agonia de Luana, mas, para ela, a vontade de abandonar a arte é ainda mais frequente. “Todos os dias eu penso em desistir. A maioria dos artistas que eu conheço fazem arte por necessidade, porque além de trabalho é uma saída. O que me faz continuar é não ter outra escolha”, lamenta.
Para quem vive disso, a arte é o alimento da alma. Mesmo que, às vezes, insustentável financeiramente, a cultura é uma necessidade vital para os artistas. “Não tem outra opção, não posso deixar de ser artista. Não é uma opção para mim, porque não consigo deixar de ser quem eu sou. A gente precisa dar um jeito, porque senão a gente morre”, explica Lígia Tristão Prieto.
O Grupo Casa, coletivo fundado por Lígia, serve como rede de apoio para 22 artistas independentes. Para Lígia, a única saída para não desistir é caminhar juntos. “Criar uma rede de sustentação que faz com que a gente não duvide da gente. Quando alguém cansa de remar, a gente tem outras pessoas que remam junto. Viver em coletivo é enfrentar o mundo de uma forma um pouco mais fácil”.
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