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Campão também desce até o chão

  • lauras05
  • 16 de abr.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 29 de abr.

Batidão tem vez em terras sertanejas e o rolê varia em suas versões de pop, anos 2000 e bruxaria


Ana Beatriz Leal, Ingrid Protásio, Mariana Pesquero e Raíssa Rojas



Instrumentos de mixagem de som (Foto: Ana Beatriz Leal)
Instrumentos de mixagem de som (Foto: Ana Beatriz Leal)

Todo mundo sabe que o estilo musical mais ouvido em Mato Grosso do Sul é o sertanejo. Em um estado com economia e cultura atrelados ao agronegócio e à vida rural, não poderia ser diferente. Tanto é, que Campo Grande é berço artístico de alguns dos maiores artistas do gênero: Luan Santana, Michel Teló, Almir Sater.

Uma pesquisa do Datafolha realizada em 2022 revelou que o sertanejo é o gênero musical mais ouvido entre os jovens brasileiros. Em segundo lugar vem o funk, em especial, aqueles produzidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, os dois estados que mais produzem e consomem o estilo. Mas, então como sobrevivem os produtores, DJs, cantores e dançarinos do funk em uma região que, dados os contextos sociais, pouco produz e pouco consome? 

A verdade é que existe uma galera que vem cada vez mais ganhando destaque na produção do funk. Na capital sul mato-grossense, a maioria dos bares e baladas frequentadas pelo público jovem contratam DJs que têm o estilo como repertório fixo. Bailes, festas e shows pensados e organizados para esse grupo de interesse revelam que Campão quer sim descer até o chão.


No som do paredão

Nesse rolê, o batidão ultrapassa o superlativo, com batida pesada e grave que vai desde sons automotivos até paredões no último volume. Fuzil e pistola para o alto podem soar chocantes para alguns, porém as referências a armas, drogas e sexo ao lado do beat repetitivo viram hit para os fãs do estilo: funk bruxaria.



DJ LKS em festa de atlética (foto: Sara Gomes/reprodução)
DJ LKS em festa de atlética (foto: Sara Gomes/reprodução)

“Eu nem imaginava que eu iria viver disso e que iria ser meu trabalho”. Neste subgênero do funk, o campo-grandense Kayki Oliveira de Almeida, conhecido no meio artístico como DJ LKS, de 18 anos, dá um show no top 200 da plataforma Spotify e top 50 no TikTok. A história dele no funk não tem muito tempo, mas já começou a virar trend nas redes sociais desde 2024.

Antes de viralizar, Kayki retratou em seu álbum, “Do MS para o mundo”, o espaço do funk no estado, como existe produção e consumo deste estilo na região. “Sempre visei representar o estado, desde quando comecei a fazer funk. O fato de eu ser de Mato Grosso do Sul, queria que tivesse relevância na minha carreira”, relata o DJ LKS.

Seja nos bailes de rua ou paredões, esse funk proibidão toma forma desinibida e irreverente, com letras extremamente explícitas que buscam uma liberdade em um tom escrachado e ensurdecedor. As batidas carioca e paulista se misturam com efeitos eletrônicos em paredões de som que podem alcançar entre 120 a 150 decibéis.

De pesadão, o Baile do Zero67 entende. O Instagram do evento tem mais de 17 mil seguidores e os rolês são no estilo baile a céu aberto, com mais de 30 carros de som automotivo em eventos que passam de 10 horas de duração. A potência de um paredão de funk pode ser comparada a um jato de avião decolando a curta distância, segundo informações da tabela de decibéis do site Megaclima (2025). Com o corpo, aqui o objetivo deixa de ser até o chão e se torna para o lado e para o outro com os ombros. As sequências de passinhos se mantêm, porém o rebolado perde a vez para os sinais de armas e movimentos com “ombrinhos” e guarda-chuvas balançando.O Mundo Invertido 067 é um dos evento destaque na cena underground nessa pegada do submundo do funk bruxaria, em sua premissa “mais que um rolê, um novo mundo”.

Hanna de Souza Batista, de 20 anos, é fotógrafa e amante desse estilo e cola sempre nesses rolês. Ela faz parte da produção do AfroGuetto, um evento direcionado à cultura negra que teve versões de funk, com figuras como Caio Prince, produtor de funk paulista. “Eu gosto muito do funk pop, mas também gosto do (funk) bruxaria, o agudo mesmo”.


Hanna começou a frequentar os eventos a trabalho e se hipnotizou pelo ritmo do funk bruxaria (Foto: Ana Beatriz Leal)
Hanna começou a frequentar os eventos a trabalho e se hipnotizou pelo ritmo do funk bruxaria (Foto: Ana Beatriz Leal)

Funk ou Pop?

Anitta, Luísa Sonza, Lexa, Ludmilla, Pabllo Vittar e Gloria Groove são artistas conhecidas nacionalmente, em seus repertórios  sucessos em um ritmo que agrega dois estilos que aparentemente são de universos musicais diferentes, o chamado funk pop.

Funk e pop teoricamente são gêneros musicais que não se misturam, distintos em sua própria batida, ritmo e público, porém no Brasil essa mistura é mais que presente, explorada no cenário brasileiro por reunir elementos do funk, música eletrônica e até o reggaeton, sua maior característica é juntar esses estilos em um ritmo dançante e unir um público que curte tanto pop quanto funk

Em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, o funk pop é bastante consumido por ser um estilo que na maioria das vezes agrada o público de uma forma geral, justamente por não ter um público muito específico e juntar ouvintes de gostos e estilos de funks diferentes. Segundo o DJ e produtor cultural Gustavo Freitas, o estilo é também conhecido como funk comercial e tem forte espaço no cenário campo-grandense. “O funk comercial (funk pop) acaba tocando mais porque às vezes não tem muitos palavrões”.


DJ e produtor cultural Gustavo Freitas tocando no ‘Buraco quente”, um rolê de funk (Foto: Ana Beatriz Leal)
DJ e produtor cultural Gustavo Freitas tocando no ‘Buraco quente”, um rolê de funk (Foto: Ana Beatriz Leal)

Além de frequentemente ser um funk sem a presença de muitos palavrões, o estilo também possui um ritmo mais leve comparado a outros, com uma batida mais suave. O DJ e produtor Felipe Velasques destaca que durante suas apresentações tenta mesclar entre o estilo mais pesado e o funk pop. “Procuro mesclar não só para agradar todo o público mas também porque gosto, pra que não fique muito cansativo só com aquela batida pesada”.

Thiago Monteiro, 20 anos, conta que seu amor por funk começou ao conhecer artistas como Anitta e Pabllo Vittar, cantoras que em geral trabalham com músicas mais relacionadas ao pop e que no começo não se identificava muito com funks que tinham letras mais explícitas. “Com o tempo vi que o funk não era só sobre letra pesada, peculiares, vi que não é só isso, tem a batida e o principal pra mim a dança, a parte que mais gosto”.


O baile todo!

No Brasil, o funk começou a crescer no final da década de 1970, como um estilo das periferias do Rio de Janeiro. Em 1989, foi lançado o primeiro álbum de funk brasileiro, e a partir da década de 1990, o ritmo tomou conta do país. Os anos 2000 foram sua época de ouro. Graças à produtora Furacão 2000, ele foi consagrado e se tornou escancaradamente um estilo musical brasileiro. Cerol na mão, Glamurosa, Se ela dança eu danço, Malhafunk: até quem não tem entre 25 e 30 anos conhece os hinos do funk dos anos 2000.

 Afinal, quem não lembra quando o Mc Marcinho curtiu um momento sozinho no canto e lançou o rap dos solitários que marcou toda uma geração. Ou até mesmo o hit Baile Todo, do Bonde do Tigrão, que dá nome a um evento marcante em um famoso bar na capital sul-mato-grossense. O funk dos anos 2000 ainda tem um espaço cativo em Campo Grande, especialmente entre aqueles que viveram a juventude nessa época e agora buscam reviver esses momentos em festas temáticas e eventos voltados para a nostalgia.

Rodrigo Martins, aos 40 anos, frequenta esses bailes anos 2000 e destaca que prefere ouvir esse estilo em eventos específicos, já que no dia a dia opta por gêneros como sertanejo e MPB. Para ele, o funk dessa época remete à juventude e carrega uma energia que ainda movimenta festas na cidade. “Me lembra meus vinte anos, quando ia para os barzinhos”.

Esse funk nostálgico segue sendo uma das vertentes mais queridas pelo público em Campo Grande, como pontua a DJ Laura Bittar, que transita por diversos estilos musicais. Ela destaca que esse subtipo do gênero ainda faz sucesso e garante pistas animadas. Para ela, os eventos voltados para o público jovem têm grande aceitação do gênero, especialmente quando se trata de hits com coreografias icônicas.

No entanto, apesar da popularidade, festas exclusivamente dedicadas ao funk ainda enfrentam desafios na cidade, como a dificuldade em atrair investimentos semelhantes aos de outros estilos musicais, como o sertanejo. Mesmo assim, a presença do funk dos anos 2000 em seu repertório e na preferência do público campo-grandense mostra que essa fase do gênero continua viva, resgatando memórias e embalando novas gerações.

“A gente vem para relembrar. Nós nascemos na década de 1990, nós temos 30 anos” explica o político Luso de Queiroz, candidato à prefeitura da capital nas últimas eleições, que frequenta eventos de diversos gêneros musicais, mas que deixa claro que é grande fã do funk.


Ex-candidato à prefeitura de Campo Grande em rolê de funk (Foto: Raíssa Rojas)
Ex-candidato à prefeitura de Campo Grande em rolê de funk (Foto: Raíssa Rojas)

Luso comenta que o estilo ainda é muito marginalizado no Brasil, mas que é o “grande pop do momento”. O consumidor até compara com o que outros gêneros passaram “é parecido com o que o samba passou no início do século 20 com a polícia e até perseguição estatal”, e afirma que outras expressões culturais que são muito ligadas ao povo trabalhador e pobre historicamente sofrem isso.

Não são muitos os bares com pegada alternativa em Campo Grande, mas a galera que os frequenta com certeza conhece ou já ouviu falar do DJ TGB. Bruno dos Santos, 40 anos, servidor público, e TGB, DJ e produtor cultural, são suas duas identidades. Espalhando seu som pela cidade desde 2017, hoje o DJ é especialista em tocar funk dos anos 2000. Mesmo em rolês que não têm essa temática, o set do TGB é marcado pela essência nostálgica e dançante. “Quando o público me vê, já sabe que o topo é o funk das antigas”.

Mas, mesmo sendo uma vertente do funk que atinge um público de diferentes idades, afinal, é consumido por gerações de antes, durante e depois dos anos 2000, o cenário desse estilo em Campo Grande não é menos complicado. “A gente enfrenta muitas coisas dentro desse universo musical. Além de ter pouco incentivo, existe uma certa dificuldade não só porque aqui o foco é o sertanejo, mas porque é algo que vem da cultura. O funk aqui é discriminado, as pessoas têm uma visão errada e pejorativa sobre aquilo que não conhecem”.

O DJ TGB acredita que a força da cultura underground já quebrou muitos paradigmas em Mato Grosso do Sul. “O funk vem crescendo cada vez mais, a gente tá rompendo barreiras, invadindo mais espaços”. Em 2021 rolou a primeira edição do Campão Cultural, festival que reúne artistas da cultura urbana e underground com apresentações e shows de música, teatro, dança, skate e graffiti na capital. Nessa primeira edição, o DJ TGB abriu o show do Djonga, rapper brasileiro, e consolidou seu trabalho profissional.


DJ TGB participa do Campão Cultural todos os anos (Foto: Nicole Tomassini / Reprodução)
DJ TGB participa do Campão Cultural todos os anos (Foto: Nicole Tomassini / Reprodução)


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